Na Avenida 5 de Outubro, Lisboa, há um prédio de 12 andares abandonado há cinco anos. À porta desse prédio dormem pessoas sem-abrigo. A poucos minutos dali está uma universidade onde muitos estudantes são obrigados a partilhar quarto para poderem continuar a estudar. Naquela zona trabalham pessoas que têm de morar longe do emprego por não haver mais oferta de habitação perto. Nos principais sites de anúncios de imobiliário não se encontram apartamentos para arrendar a menos de mil euros por mês.

O prédio de 12 andares numa das zonas mais procuradas do país poderia alojar 150 a 200 pessoas. Poderia alojar estudantes, como já foi prometido que faria, mas também poderia alojar a classe média ou transformar-se num alojamento de renda acessível. Mas não: o dono mantém-no vazio e abandonado, sem qualquer consequência. O dono não é um qualquer especulador ou uma família a disputar heranças. O dono daquele prédio é o Estado português. Como este, existem milhares de prédios devolutos pelo país.

Escrevo milhares e não um número específico porque esse número não existe. O Estado, aliás, nem sequer sabe quantos imóveis, devolutos ou não, tem. No último relatório do Tribunal de Contas aparecem três números de três diferentes fontes. No sistema de informação de imóveis do Estado aparecem 9.500; na base de dados do Registo Predial aparecem 18.500, quase o dobro; na base de dados da Autoridade Tributária, 62 mil. Na origem desta diferença de cálculo está algo ainda mais grave: os diferentes organismos do Estado não se entendem sequer em relação à definição de imóvel.

Alguns imóveis do Estado estão abandonados há tanto tempo que nem o Estado sabe que ainda os tem. Esta incompetência tem um custo que se mede nos preços da habitação. A injeção destes imóveis no mercado imobiliário faria descer o preço quer dos novos imóveis quer dos usados.

Nesses imóveis que o Estado abandonou podia morar gente. Podiam morar jovens que hoje não conseguem sair de casa dos pais. Podiam morar professores e médicos que recusam empregos nas cidades mais caras para não deixarem o salário todo na renda. Podiam morar famílias que não podem crescer por não terem espaço para o fazer. Prédios, terrenos, antigas escolas e quartéis abandonados podiam aumentar a oferta de habitação em Portugal, incluindo nas zonas mais procuradas do país, onde o Estado ainda detém vários edifícios abandonados.

Numa crise de habitação que é, acima de tudo, uma crise de falta de oferta, é absolutamente imoral o Estado ter milhares de imóveis abandonados de que não toma conta, que não contabiliza e que, em muitos casos, nem sabe sequer se existem. Mas o mesmo Estado que hoje, em nome da crise da habitação, quer limitar o uso que proprietários privados dão às suas casas, dá o pior uso possível a milhares dos seus imóveis: nenhum.

Deputado da Iniciativa Liberal