Controlo das rendas a médio longo prazo pode “deprimir” o mercado

Hugo Vilares de Almeida, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, e um dos autores do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre o mercado imobiliário, recomenda que sejam tomadas políticas públicas de subsidiação no arrendamento e para os atuais proprietários que recorrem ao crédito à habitação. “Estão a enfrentar situações de liquidez complexas com a subida de taxas de juro”, refere em entrevista.

O mercado da habitação em Portugal continua a ser um dos principais dinamizadores da economia, tendo estado nos últimos meses na ordem do dia graças ao programa Mais Habitação, criado pelo Governo, numa tentativa de responder às principais necessidades de um sector fundamental para o dia-a-dia das famílias e jovens portugueses.

Foi com base nestes e outros pressupostos que a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FMSS) elaborou nos últimos meses um estudo intitulado “A crise da habitação nas grandes cidades”, agora divulgado, no qual identifica objetivos críticos que devem ser concretizados no curto e médio prazo para resolver vários problemas deste mercado.

Em entrevista ao NOVO Economia, Hugo Vilares de Almeida, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, e um dos autores deste estudo, aborda as conclusões e preocupações analisadas e as recomendações que devem ser adotadas.

O que levou a Fundação a realizar este estudo?
Este estudo já vem sendo feito ao longo de alguns meses, no âmbito do acompanhamento que a Fundação faz neste mercado, e, inclusivamente, já tinha saído um estudo há algum tempo que fez uma análise ao mercado de habitação, nomeadamente ao comportamento de preços depois da pandemia e também da situação de inflação que estamos a viver. A Fundação sentiu que era útil haver esse estudo e, portanto, nós dedicamo-nos a analisar e a voltar a analisar o mercado da habitação com algum detalhe. Essa é a grande motivação para este estudo. Acabou por sair nesta altura, mas é resultado de um trabalho de alguns meses que já vem sendo desenvolvido.

Quais foram os principais pontos que pretenderam analisar?
Em primeiro lugar, tentar compreender qual tinha sido o impacto que tanto a pandemia como a própria inflação tiveram no mercado da habitação e perceber se havia ou não alguma sobrevalorização de preços nas casas em Portugal. Depois, analisar a acessibilidade dos agregados familiares tanto na aquisição como no arrendamento da habitação e por fim reflectir um pouco em termos de estratégias de política pública internacionais que foram adotadas e ter um conjunto de recomendações de estratégia e de planeamento de política pública nesta área. Portanto, foi basicamente tentar fazer uma revisão do estado atual do mercado, tentar compreender as suas dinâmicas e tentar recomendar alguma alguns vectores de intervenção de política pública que pudessem ser úteis para, eventualmente, alguns problemas ou agravamento, neste caso, de acessibilidade que foi detetada.

Que soluções apresentam para que o problema do acesso à habitação possa ser resolvido a curto médio prazo?
As recomendações que fazemos em termos de política pública baseiam-se na ideia de providenciar um alívio imediato a situações mais problemáticas em termos de acessibilidade e manutenção de habitação, ao mesmo tempo que se tenta criar uma estratégia de médio/longo prazo que resolva estruturalmente a situação de acessibilidade. Em termos de políticas de curto prazo, para ajudar imediatamente, o que achamos que é possível e recomendamos que haja alguma subsidiação no arrendamento, alguma subsidiação para atuais proprietários. Isto porque os atuais proprietários que recorrem a crédito habitação estão a enfrentar situações de liquidez complexas com a subida de taxas de juro ou restrições de liquidez no orçamento das famílias que importa tentar aplacar no sentido de tentar evitar situações de perda das habitações atuais.

Os controlos das rendas não são solução?
Achamos que controlos às rendas não devem ser feitos no médio longo prazo porque têm efeitos destorcionários muito complexos. Estamos a falar de políticas que acabam por, de acordo com a evidência internacional, quando se mantêm durante muito tempo, deprimir o mercado do arrendamento, diminuir o mercado.

Como olham para as restrições ao mercado internacional?
Relativamente à procura por estrangeiros a situação a que chegamos foi que, de facto, o impacto seria globalmente limitado a restringir a procura externa. Em parte porque grande parte dessa procura vem de cidadãos europeus, que têm direitos constituídos para ter acesso à habitação em Portugal, e por causa das dimensões dos programas de Vistos Gold, em termos dos programas nómadas digitais e até de residentes não habituais. Consideramos que mesmo que removêssemos estes grupos como um todo, não iria resolver de forma significativa o problema da habitação.

Devia Portugal adotar a política built to rent, tal como acontece nos Estados Unidos?
Um dos entraves ao built to rent é efetivamente a estabilidade do próprio sistema. Mesmo que seja um investidor institucional. Por exemplo, um fundo de pensões, fazer um investimento a 30, 40, 50 anos, que é o horizonte temporal típico de investimentos built to rent, quando provavelmente são informados que não só o enquadramento regulatório, o enquadramento legislativo, mas também o enquadramento fiscal vai mudar cinco ou sei vezes durante este horizonte temporal. Até pode dar retorno hoje e ter uma taxa extremamente atrativa, mas tem um risco implícito associado. Por isso é que nós recomendamos que para projetos desta natureza, idealmente para um pacote de estratégia e planeamento de política pública, a regulamentação é fundamental ter previsibilidade e estabilidade. É fundamental que todos os agentes no mercado percebam qual é a direção para onde vamos e que a política de habitação, mesmo que esteja toda anunciada hoje, tenha uma estabilidade e uma previsibilidade ao mesmo

Entrevista originalmente publicada na edição do NOVO Economia de 29 de julho