A Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF) dedica-se, desde 1983, a apoiar a formação e investigação na área do tratamento das doenças do fígado. O presidente da associação considera que a área tem evoluído muito nos últimos 30 anos, em termos de conhecimento científico, técnicas e tratamentos, sendo fatores que têm equiparado Portugal aos restantes países da Europa e do mundo.

Entretanto, “ao contrário daquelas doenças do fígado que são muito frequentes, em que podemos dizer quais são os sintomas, as doenças raras são muitas, portanto não há um quadro clínico típico, em que possamos alertar as pessoas”, lamenta Arsénio Santos, completando: “As doenças raras, todas juntas, afetam muita gente”, visto que há milhares deste tipo de patologia que, por sua vez, incidem em praticamente todas as partes do organismo.

Nomeadamente, a Colangite Biliar Primária é tida como “a mais frequente das doenças hepáticas raras”. É uma doença crónica, que ataca primariamente o fígado e que pode ser identificada, numa fase inicial, através de uma comichão diária, sobretudo à noite, no caso de não se ter lesões na pele ou alergias, e, posteriormente, outra possibilidade de diagnóstico é o cansaço fácil.

Em Portugal, a associação estima que existam cerca de dois mil casos de Colangite Biliar Primária. A doença atinge maioritariamente as pessoas do sexo feminino. Mais precisamente, nove mulheres por cada homem. As idades mais comuns de diagnóstico, por sua vez, situam-se entre os 40 e os 60 anos, em ambos os sexos.

O médico realça que muitas doenças raras são logo identificadas no início da vida, durante a infância ou na adolescência, enquanto há outras que, por terem um impacto especialmente ligeiro na vida das pessoas, nem sequer são diagnosticadas. De forma oposta, as mais preocupantes são aquelas com um grave impacto na vida das pessoas, colocando-as em risco de ter uma vida curta ou com sequelas.

“Não há nada que possamos fazer para prevenir as doenças raras no fígado”, explica o médico. Ainda assim, Arsénio Santos afirma que os profissionais da área da saúde estão preparados para lidar com estes casos, mas aconselha a que estejam atentos e valorizem alterações nos quadros clínicos dos pacientes, por mais que pareçam insignificativas, e eventualmente referenciar o paciente a outro clínico mais especializado nas áreas em questão.

Por outro lado, assinala que as pessoas devem igualmente estar em alerta. Neste sentido, a APEF tem procurado, nos últimos anos, disseminar informação rigorosa sobre este assunto para a população de diferentes franjas etárias, mais recentemente através das redes sociais, alertando quanto a comportamentos que as podem levar a ficar doentes, mas de uma forma “serena” e não sensacionalista, nas palavras do médico hepatologista.

Arsénio Santos aponta que, de uma maneira geral no campo das doenças raras, no caso do paciente reparar em alguma situação anormal, deve recorrer ao seu médico ou a outros profissionais especializados, de maneira a investigar do que se trata e chegar rapidamente a um diagnóstico. Em termos de sinais para os quais devemos prestar atenção, especificamente no que consta às doenças do fígado, há três sinais mais frequentes: os olhos ou a pele amarelados; as situações de dor abdominal persistente, sobretudo quando a dor é do lado direito e debaixo das costelas, na zona do fígado abdominal; assim como uma fadiga muito marcada e falta de força.

“São situações difíceis porque, sendo menos frequentes, os conhecimentos para elas não estão tão disseminados quanto deveria estar, mesmo na classe médica”, pelo que é complicado os médicos de especialidade estarem sensibilizados para todos os tipos de doenças que existem, o que pode influenciar no encaminhamento do doente. “É aí que é preciso haver rigor, e sobretudo um elevado espírito de alerta”, sublinha.

Por fim, afirma que o problema em Portugal, de um ponto de vista global, não parece ser a falta de médicos, mas sim a distribuição e gestão daqueles que existem, resultando na escassez destes profissionais no SNS. “Há hospitais privados que fazem um bom trabalho nesta área. Mas, apesar de tudo, o nosso Serviço Nacional de Saúde tem um papel insubstituível”.

“Temos bons médicos, temos centros hospitalares com qualidade, (…) mas, infelizmente, parece que a crise em que estamos neste momento no Serviço Nacional de Saúde é prejudicial para estas circunstâncias, (…) com dificuldades, muitas vezes, até em fazer os exames de forma atempada, há problemas de organização dos hospitais, e também até de motivação dos profissionais”, conclui o presidente da APEF. A solução passaria, portanto, por dar estímulos e melhorar as condições de trabalho destes profissionais de saúde, e investir no desenvolvimento tecnológico da área.

Editado por João G. Oliveira