Na próxima semana será votada no Parlamento Europeu uma proposta legislativa relativa aos combustíveis sustentáveis para a aviação. Com o objectivo de descarbonizar o transporte aéreo, a Comissão Europeia pretende impulsionar os investimentos na produção de combustíveis sustentáveis, criar economias de escala no seu fornecimento, baixar preços, sobretudo dos combustíveis sintéticos, e assim diminuir as emissões de CO2. Através de metas vinculativas, as companhias aéreas serão obrigadas a utilizar combustíveis sustentáveis em percentagens gradualmente crescentes até 2050 e os aeroportos devem estar preparados para o seu fornecimento, o que implica uma adaptação dos aeroportos europeus, ou seja, investimento em infra-estruturas. A Comissão dos Transportes do Parlamento Europeu entendeu que, face ao estágio de desenvolvimento incipiente da produção de combustível sintético para a aviação na Europa, e ainda com custos muito elevados, a definição do que é considerado para efeitos de sustentabilidade deveria ser alargada a mais biocombustíveis, evitando-se todos aqueles que impliquem utilização exclusiva e intensiva dos solos para a sua produção - como o óleo de palma - ou que não satisfaçam critérios de sustentabilidade definidos na Directiva da Energia Renovável (RED II). Perante a maior abrangência da definição, também os objectivos relativos às percentagens de utilização aumentaram, ainda que para valores, julgo, demasiado ambiciosos, dado o nível de desenvolvimento da indústria europeia de combustíveis sustentáveis. Compreendo que obrigar a utilizar mais combustíveis sintéticos impulsiona a procura e o investimento na sua produção. Mas não posso deixar de revelar preocupação pelo facto de a capacidade produtiva já instalada se concentrar em poucas empresas da Europa Central, em particular alemãs, o que pode dar origem a oligopólios ou criar desequilíbrios na oferta, já a partir de 2030, com práticas de açambarcamento.
Se não for garantido o conveniente fornecimento dos aeroportos nacionais, Portugal corre sérios riscos de perder competitividade face a outros destinos. Se a proposta da Comissão dos Transportes passar em plenário sem qualquer alteração - e à data em que escrevo este artigo ainda não existem garantias de que assim seja -, as companhias aéreas são obrigadas a utilizar 2% de combustíveis sustentáveis já em 2025, 0,04% dos quais sintéticos, e 6% em 2030, dos quais 2% sintéticos. À primeira vista, pode parecer pouco, mas representa, aos dias de hoje, um acréscimo importante nos custos, o que se repercutirá inevitavelmente nas tarifas aéreas.
Foi possível assegurar o caso das regiões ultraperiféricas europeias com uma cláusula opcional, caso os aeroportos destas regiões entendam que, por uma questão de competitividade, estão em condições de fornecer combustíveis sustentáveis. Sabemos que numa primeira fase de transição podem optar por não o fazer mas, com a massificação e descida de preços dos sintéticos, no médio prazo fará todo o sentido.
A forma de descarbonizar o sector sem aumentar os custos para os consumidores e sem diminuir o nível de tráfego aéreo passa por aumentar a escala de produção de combustíveis verdes, sejam biocombustíveis provenientes de matéria-prima sustentável, hidrogénio ou combustíveis sintéticos, e com metas realistas. Como co-legisladores, procuramos manter o leque de soluções sustentáveis o mais amplo possível, sendo esta, a meu ver, uma solução para diminuir emissões sem prejudicar quem viaja. Sabemos o quão importante o transporte aéreo é importante para a conectividade e competitividade de Portugal.
Mas é crucial que, perante todo este processo de transformação do sector da aviação, Portugal faça o seu trabalho de casa: começar já a trabalhar na modernização das infra-estruturas dos aeroportos existentes, sem descurar a importância estratégica de cada um, e, de uma vez por todas, ter a coragem de decidir o que fazer com o aeroporto de Lisboa. Cinquenta anos de indefinição, de avanços e recuos, não ajudam a credibilizar um sector determinante para a nossa economia, nomeadamente para o turismo, pilar estruturante do nosso PIB. Soma-se a esta falta de coragem política o caos instalado no Aeroporto Humberto Delgado, a que temos assistido nestas últimas semanas, que coloca em risco, mais uma vez, a época estival, com consequências económicas desastrosas.