Quando, em 2004, a Comissão Estratégica dos Oceanos foi entregue ao Estado português, o seu presidente, Tiago Pitta e Cunha (Prémio Pessoa 2022), fez incluir um mapa mostrando a verdadeira dimensão física do nosso país, incluindo nessa imagem o mar soberano de Portugal.
Contudo, só dez anos mais tarde este mapa começou a chegar às escolas portuguesas e ainda hoje, seguramente, muitos portugueses não têm a ideia de que se colocarmos o mapa do nosso território continental mais as zonas económicas exclusivas dos Açores e da Madeira sobre a Europa, o nosso país estende-se, nos seus 1 700 000 quilómetros quadrados, de Lisboa à Polónia.
Mesmo sem incluir o nosso oceano, Portugal não é, à escala europeia, um país pequeno, mas sim um país de média dimensão. Ao incluir o seu mar, Portugal é o 20.º maior país do planeta e, caso a extensão da nossa plataforma continental venha a ser aprovada, passaremos a ser, em termos de território, a 10.ª maior nação do mundo. Uma nação oceânica. E esta geografia, que aquando da entrada do país na União Europeia era considerada por muitos periférica, coloca-nos hoje no centro da mais decisiva batalha para o futuro do planeta e para a prosperidade das nações: a gestão e preservação dos oceanos.
Portugal é já hoje a mais rica nação em biodiversidade na Europa. Temos os três elementos que estão na base da sustentabilidade natural e económica do planeta: sol, vento e oceano. Temos uma academia crescentemente preparada para o desenvolvimento da investigação científica e biotecnológica, que é a base para que a inovação e utilização de biotas e matérias-primas naturais, como as algas marinhas, possam chegar aos processos industriais de larga escala, substituindo matérias-primas que continuam a utilizar recursos não renováveis do planeta e contribuem, de forma decisiva, para o desequilíbrio natural e social do mundo onde vivemos.
Temos, portanto, tudo para não repetir o que um famoso filósofo polaco referiu um dia: “Trocava a minha gloriosa história por uma melhor geografia.”
Estamos na praia, mas ainda não avançámos de forma inequívoca para o oceano. Para que isso aconteça, Portugal deverá implementar uma estratégia que nos coloque como referência mundial na descarbonização da economia, ao mesmo tempo criando um ecossistema propício à captação de investimento para a economia azul e para a atracção e retenção de talentos.
Mais do que contribuir para uma mudança de como Portugal é visto no mundo, este é o desígnio que poderá estar na base do país que queremos construir para as gerações vindouras e o nosso contributo para a sobrevivência do nosso planeta e dos seus habitantes.
É neste contexto que Portugal e Quénia organizam em Lisboa, de 27 de Junho a 1 de Julho, a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, sob o lema “Salvar os Oceanos, Proteger o Futuro”.
Os compromissos que possam sair da discussão entre as nações presentes e a declaração final da conferência nunca serão efectivos caso isso não desemboque numa nova cimeira de chefes de Estado e de governos que aceitem vincular-se na defesa da biodiversidade marinha e na sua utilização sustentável, pois estamos a uma década do ponto de não retorno na utilização dos recursos naturais, neste contexto de emergência climática.
Para já, acredito que esta cimeira possa servir o nosso desígnio e tornar Portugal uma voz crescentemente ouvida e respeitada, em termos internacionais, em matérias ligadas ao oceano, mas também por ser a maior iniciativa de apoio à literacia azul realizada este século. Se não ouvirmos o que o oceano tem para nos dizer, ele em breve emudecerá.