“Estou ciente das dificuldades, sei que o caminho não é de curto prazo, é longo e exigente.”A frase, proferida por Luís Montenegro faz este domingo um ano, assim que foi eleito como 19.º líder do PSD, mostra bem que estava longe de imaginar que um governo de maioria absoluta iria mostrar uma degradação rápida, com “casos e casinhos”, e que aquilo que achava ser uma maratona ia transformar-se num sprint.
Uma corrida cada vez mais exigente para Montenegro, que se viu obrigado a carregar a fundo no acelerador, semana a semana. “Nos próximos meses vamos acelerar uma alternativa que seja percepcionada pelos portugueses”, disse ao NOVO o secretário-geral do PSD, Hugo Soares. Como? Com “intransigência” em relação aos erros da governação e com “o reforço de propostas alternativas” em áreas fundamentais do país.
Os sociais-democratas não vão largar a questão da actuação do SIS na recuperação do computador de Frederico Pinheiro e a comissão de inquérito à TAP, ao mesmo tempo que preparam o programa eleitoral e começam a definir a lista para as europeias, já a pensar nas autárquicas de 2025.
Acelerar a construção de uma alternativa tem sido, aliás, um repto insistentemente lançado por algumas facções dentro do partido. Passados os seis meses de estado de graça, em que conseguiu unir as hostes sociais-democratas e colocar o PSD a subir, ainda que levemente, nas sondagens, Montenegro começou a ser criticado em surdina por alguma falta de vigor e capacidade de afirmação. Até o Presidente da República veio dar a entender que, apesar da degradação do Governo, não dissolveria o Parlamento, por considerar ainda “inviável” uma alternativa política. Montenegro repudiou esta ideia, disse estar “pronto” para ir a eleições, mas, cauteloso, uma vez que estava ainda a aquecer os motores, não as pediu. Teve de acelerar o passo e agora já diz que este governo teve o seu tempo e que “chegou a vez” do PSD.
Mas nem o endosso dado por Cavaco Silva na semana passada, exigindo ao partido união em torno do líder, que diz estar “preparado” para ser primeiro-ministro e é “a única opção de voto credível”, convenceu muitos sectores do partido, que continuam a acreditar que só Passos Coelho poderia agregar os votos da direita no PSD, embora a intenção do ex-Presidente da República fosse esvaziar esta aspiração que ainda corre nos bastidores.
Num ano, Montenegro fez caminho, ganhou até algum terreno, o PSD deixou de ser visto como a “muleta” do PS, como era acusado no tempo de Rui Rio, mas, até agora, não conseguiu convencer. Lançou o Movimento Acreditar para apresentar um programa eleitoral em 2024 (terá de o antecipar?) e anda no terreno com o Sentir Portugal, mas a “incerteza” quanto aos resultados nas urnas continua a ser a palavra mais ouvida nos bastidores.
A verdade é que o empurrão do ex-Presidente da República e líder histórico do PSD teve dois efeitos: baixou o tom dos críticos (mas não os calou) e galvanizou o líder do partido que, de imediato, endureceu o discurso contra o Governo e arriscou mesmo sugerir que o país deve ir a votos o quanto antes, táctica que é para manter no segundo ano de mandato, conforme revelou ao NOVO fonte da direcção social-democrata.
Respaldado nas palavras de Cavaco, o líder do PSD olha para o segundo ano de mandato com três objectivos, segundo fonte da direcção: fazer uma “oposição sistémica” ao Executivo, não deixando escapar nenhuma oportunidade e erro; preparar o partido para o caso de haver eleições gerais antecipadas e elaborar a lista para as europeias, o grande teste, se não houver legislativas antes; e centrar o discurso no voto útil, tentando recuperar o eleitorado que vai do “centro-esquerda à direita” para ir buscar os tais 8 a 9% de eleitores que Cavaco Silva pediu.
“Eu vim para ser candidato a primeiro-ministro em 2026”, dizia, há um ano, Montenegro. Só que o ciclo eleitoral pode antecipar-se e o PSD, sendo um partido de poder, viu que a oportunidade podia chegar mais depressa do que pensava. Daí que é este o pensamento transversal no partido, a partir da intervenção de Cavaco: chegou a hora de cerrar fileiras.
Posicionamento e voto útil
Mas a caução de Cavaco a Montenegro vai devolver votos ao PSD? Ninguém arrisca dizer que sim. Só o tempo e as sondagens o dirão. Certo é que o ex-Presidente deu o aval, mas avisou: Montenegro tem “muito trabalho” pela frente.
A este propósito, Guilherme Silva acrescenta que o líder do PSD deve insistir nos próximos meses no apelo ao voto útil no PSD, como pediu Cavaco. “Esta deve ser a prioridade: dizer que a única alternativa será votar PSD e ir buscar votos ao centro”, frisou. Miguel Relvas reforça: “O partido deve ocupar o seu espaço natural, que vai até ao centro-esquerda”. Em declarações ao NOVO, o ex-ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares de Passos Coelho avisou: “O PSD tem de ganhar as europeias.” O próprio Montenegro sabe que será este o seu grande teste.
É no campo ideológico que surgem muitas divisões internas. Há quem defenda que o PSD deve encostar-se mais ao centro e há os que acreditam que só com a ocupação de um espaço mais à direita, o que Rui Rio recusava fazer, será possível ganhar eleições. Montenegro tem tentado ir do centro à direita, mas continua a ter o “papão” Chega a morder-lhe os calcanhares. Já disse, para gáudio de muitos e desagrado de outros, que não fará acordos políticos com a extrema-direita, mas também não quer hostilizar quem vota no partido de André Ventura, porque é aí – e nos desiludidos do PS – que pode ir recuperar votos.
O politólogo Paulo Otero acredita que é nesta estratégia que o líder do PSD está, precisamente, a falhar. “Luís Montenegro é muito moderado, o PSD precisava de um líder que fosse mais de direita”, disse ao NOVO, apontando ainda a “falta de carisma” do líder social-democrata e a incapacidade de “capitalizar o descontentamento dentro das forças não socialistas” como causas para não conseguir convencer. Paulo Otero diz mais: “Montenegro não está a ser o líder da oposição”. O núcleo duro do líder social-democrata tem consciência de que Ventura tem-se destacado, “mais pelo estilo, do que pelo conteúdo”, e, por isso, “sem perder o sentido institucional”, Montenegro já começa a ser mais duro no tom, sublinhou fonte da entourage do líder laranja.
Crise na bancada
Não são apenas os analistas políticos que vêem pouco carisma na postura de Montenegro. Na semana passada, Alberto João Jardim, ex-líder do governo Regional da Madeira, veio colocar preto no branco e dizer em voz alta o que muitos pensam, mas dizem em sussurro: “Montenegro tem de ser virulento como André Ventura, sem dizer as asneiras de André Ventura”.
“Não é ainda claro o que Montenegro quer para o país”, diz ao NOVO um deputado social-democrata, conotado com Rui Rio. Aliás, é na bancada parlamentar, que não escolheu, que Montenegro encontra a única oposição interna, embora numa espécie de guerra fria, que poderá agora aquecer com a polémica em torno da Operação Tutti Frutti, que envolve não só ministros de António Costa, mas também deputados do PSD.
O facto de Joaquim Miranda Sarmento, líder parlamentar social-democrata, ter usado o tema para atacar o primeiro-ministro no debate de quarta-feira e de tanto Montenegro, como Hugo Soares terem garantido que o “partido não pactuará com falhas éticas” fez reacender a oposição interna daqueles que eram apoiantes de Rio e nunca viram com bons olhos a liderança de Montenegro. Se andavam mais silenciosos, despertaram e voltou a tensão entre a bancada e a liderança do partido, com Carlos Eduardo Reis, deputado suspeito no caso, a recusar ser o “idiota útil” do PSD para conseguir demitir dois ministros: Fernando Medina e Duarte Cordeiro. Os rioístas aplaudiram.
A juntar a esta polémica que começa a ganhar lastro e que está a criar brechas na bancada parlamentar – um dos principais palcos do PSD para fazer oposição ao Governo –, o deputado social-democrata Joaquim Pinto Moreira, que tinha saído do Parlamento por ser arguido na Operação Vórtex, decidiu anunciar que vai voltar a ocupar o mandato na bancada, apanhando Montenegro de surpresa. O líder do PSD marcou de imediato uma reunião da direcção para debater estes assuntos.
Numa altura em que a comissão de inquérito à TAP fustiga o Governo e em que Marcelo passou a ter uma relação tensa com Costa, Montenegro tinha, agora, mais espaço para acelerar o passo e impor-se, mas, tal como previu há um ano, “as dificuldades” e os “obstáculos” não cedem. A juntar à dificuldade de descolar nas sondagens, vê-se agora a braços com uma crise na bancada.
O primeiro desafio eleitoral são as regionais da Madeira, que Marcelo vai marcar para o final de Setembro e em que Montenegro aponta à maioria absoluta. Antes disso, há três momentos determinantes para o segundo ano de mandato: a reunião de final de sessão legislativa com Marcelo, que coincide com o pós-comissão de inquérito à TAP; a Universidade de Verão; e a Festa do Pontal, em Agosto. É o tudo ou nada para Luís Montenegro.
Artigo originalmente publicado na edição do NOVO de 27 de Maio