Depois de alguma resistência, mas pressionado pelo aumento da contestação social, o Governo aproveita o brilharete nas contas públicas e avança com um conjunto de novos apoios sociais para fazer face ao aumento do custo de vida. Entre as medidas anunciadas nesta sexta-feira estão a redução do IVA para 0% num conjunto de bens essenciais, o aumento salarial de 1% na função pública, além do que já estava previsto, e o pagamento de um cheque de 30 euros mensais às famílias mais vulneráveis, que vão também receber 15 euros por criança.
Na apresentação dos apoios, no mesmo dia em que se ficou a saber que o défice das contas públicas caiu para 0,4% do PIB (abaixo dos 1,9% previstos pelo Governo), o ministro das Finanças reconheceu que o momento é “exigente” e “delicado” para as famílias, que se “vêem confrontadas com o aumento da inflação, do custo de vida e com o aumento dos juros” - o que criou dificuldades a “milhões e milhões”. Em particular, aos “trabalhadores e pensionistas que vivem todos os meses a fazer contas à vida”.
“Conhecidos os resultados finais de 2022, podemos dar um novo passo na resposta às necessidades das famílias”, anunciou o responsável pela pasta das Finanças, ao lado de Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social, e de Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência.
Na reacção ao anúncio, o Presidente da República - que tem protagonizado crescente tensão com o Governo - fez elogios. “Da mesma maneira que critico o que é de criticar, elogio o que é de elogiar. E já elogiei o ministro Medina há pouco, porque [as medidas] foram bem tomadas, no momento adequado”, acentuou Marcelo Rebelo de Sousa, aos jornalistas, num hotel de Santo Domingo, República Dominicana, onde se encontra para a Cimeira Ibero-Americana.
Pelo PS, o líder parlamentar destacou que as contas certas permitiram mais apoios sociais. “O PS regozija-se não só com o resultado do défice [0,4% em 2022] e da dívida [113,9%], mas também com o conjunto de medidas apresentadas para apoiar as famílias e as empresas”.
“Tardias e insuficientes”
As ajudas apresentadas não convenceram, no entanto, a oposição. Da esquerda à direita, os partidos consideram os apoios tardios e escassos. Para o PSD, as medidas “vêm tarde”, “são curtas” e “perpetuam o empobrecimento dos portugueses”. Miranda Sarmento, líder da bancada social-democrata, realçou que os apoios “ignoram completamente a classe média”. E considerou ainda a subida de 1% no salário dos funcionários públicos muito aquém da perda de poder de compra”.
Do lado do Chega, André Ventura disse ter “zero confiança” na eficácia das medidas, considerando os apoios um “tiro de pólvora seca” e um “exercício de propaganda”. Em linha com o PSD, Ventura destacou que os apoios “esquecem em absoluto a classe média e as empresas”.
A Iniciativa Liberal também carregou nas críticas. O presidente do partido acusou o PS de “dar com uma mão aquilo que tirou com duas”, nos últimos meses, defendendo ser necessária uma “redução clara” dos impostos. “Teria sido melhor começar por agradecer aos portugueses, e até pedir-lhes desculpa”, tendo em conta que “cortam nos seus gastos, têm dificuldades em chegar ao fim do mês” e o Governo continua a cobrar “impostos extraordinários”, disse Rui Rocha, lamentando o “tom paternalista” da intervenção.
À esquerda, o Bloco de Esquerda (BE) frisou que as medidas “são insuficientes” e que houve falta de “coragem para fazer a diferença”. “O Governo tinha uma margem, uma almofada financeira que não usou em devido tempo. Andou a brincar, anda a brincar com o desespero das famílias”, acusou Pedro Filipe Soares, líder da bancada, em declarações aos jornalistas.
Pelo PCP, Paula Santos disse que as medidas anunciadas pelos três ministros são “manifestamente limitadas e parcelares”, pois não respondem aos problemas enfrentados pela população e “não combatem a especulação por parte dos preços e dos lucros que muitos grupos económicos têm ganho”.
Defendendo o aumento geral dos salários e a fixação de preços de bens essenciais, a líder parlamentar comunista previu que a taxa zero no IVA em alimentos essenciais vai ser absorvida pelos lucros da grande distribuição, acabando por não ter tradução nos preços desses bens. Sobre o aumento salarial na função pública, afirmou que o valor “nem sequer cobre a inflação de 2022”, continuando a “impor a perda de poder de compra”.
Por seu lado, o PAN acusou o Executivo de estar a “encher os bolsos”, numa altura em que devia “dar as mãos às famílias”. Inês de Sousa Real realçou que as medidas “pecam por tardias”. Uma crítica também apontada por Rui Tavares. O deputado único do Livre considerou que estes apoios “vêm demasiado tarde” e são escassos, face à folga de 3.600 milhões de euros.