Sai a “gigante” Catarina Martins, “capaz de construir pontes”, e entra a “corajosa” e “acutilante” Mariana Mortágua. Depois de 12 anos, o Bloco de Esquerda vai mudar de líder e, embora haja duas moções em confronto na convenção deste fim-de-semana, em Lisboa, é certa a vitória da linha da continuidade, liderada pela deputada “estrela”, que chegou ao Parlamento em 2011.
Confiantes nos sinais que as sondagens têm dado, os bloquistas esperam deste novo ciclo de liderança – após Francisco Louçã, João Semedo e Catarina Martins – um impulso que permita ao partido recuperar terreno perdido.
“Da Mariana espero que haja uma liderança também muito forte na construção de um projecto colectivo, com uma nova energia. Ao fim de uns anos, é normal que seja necessário renovar essa energia”, diz ao NOVO a eurodeputada Marisa Matias. “Estarei ao lado da Mariana como estive ao lado da Catarina”, acrescenta.
Mas a futura líder trará mais do que a energia da renovação. Ressalvando que o trabalho do partido é da responsabilidade de um colectivo, o antigo deputado José Manuel Pureza destaca o perfil de Mortágua: “Toda a gente no país, sobretudo os nossos adversários políticos, reconhecem que a Mariana tem uma grande capacidade de ser acutilante, muito incisiva no essencial, de não se distrair com ruído e coisas acessórias e de ser uma mulher muito corajosa no enfrentamento dos poderes instalados em Portugal”, afirma ao NOVO.
O antigo vice-presidente da Assembleia da República está “muito satisfeito” por Mortágua se ter disposto a ser “o rosto mais visível” da moção A, da qual também é subscritor, por entender ser a orientação “mais adequada ao momento que vivemos” – uma fase “muito marcada por uma degradação profunda da governação da maioria absoluta do PS, com uma completa falta de resposta para as questões fundamentais da vida das pessoas, como a habitação, a saúde e os salários que não crescem”, nota.
A mudança na coordenação do Bloco de Esquerda acontece mais de um ano depois da queda abrupta nas urnas que ditou a redução da bancada, de 19 para cinco deputados, numas eleições que deram ao seu antigo parceiro de geringonça maioria absoluta. De lá para cá, fazer oposição cerrada ao PS e cavalgar a onda de insatisfação social tem sido – e continuará a ser com Mariana Mortágua – a aposta do partido.
A reunião magna, cujo lema é “levar o país a sério”, será um momento por excelência para afinar e afirmar essa estratégia, sem perder de vista o desgaste do governo de António Costa.
Em confronto nestes dois dias estão a moção A, encabeçada por Mariana Mortágua (com 81% dos delegados) e a moção E (com 14%), que reúne críticos da actual direcção e tem como porta-voz o antigo deputado Pedro Soares.
Sendo certo que é mais aquilo que os une do que aquilo que os separa, é de prever que o debate aqueça com as acusações de falta de democracia interna que têm vindo a ser feitas pelos críticos. As diferenças entre as duas candidaturas sobressaem também quando o tema é a guerra na Ucrânia ou a recente relação do partido com o PS.
Catarina sai, mas fica
Catarina Martins anunciou a 14 de Fevereiro não se recandidatar à liderança, devido ao fim de um ciclo político. “Acredito que a renovação vai multiplicar a energia do Bloco”, disse então.
Dos camaradas mais próximos só colhe elogios. “É, indiscutivelmente, uma activista política de primeira grandeza, capaz de fazer pontes. Fez um trabalho absolutamente inestimável. Uma gigante. Deixa um contributo de enormíssima qualidade”, diz ao NOVO o ex-deputado José Manuel Pureza. “O BE tem uma dívida enorme para com Catarina Martins. Foi capaz, em momentos mais ou menos difíceis, de impor uma liderança muito construída no colectivo, muito apoiada nas bases, de muita coragem. Foi uma liderança notável”, acrescenta a eurodeputada Marisa Matias.
Catarina Martins deixa o Parlamento no fim desta sessão legislativa. Mas vai continuar na direcção do BE e, ainda que nos primeiros tempos a ideia seja descansar, vai “estar em todas as lutas, a luta toda, como sempre”. Se isso significa concorrer às europeias, como se especula, ou a outros desafios eleitorais, o tempo desvendará.
Altos e baixos de 24 anos de história
10 de Outubro de 1999
Fundado nesse ano, o Bloco estreia-se no Parlamento com a eleição de Francisco Louçã e Luís Fazenda
17 de Março de 2002
Com quase 150 mil votos, o Bloco consegue superar o resultado da estreia e elege três deputados.
20 de Fevereiro de 2005
Os bloquistas somam perto de 365 mil votos e elegem oito deputados.
27 de Setembro de 2009
O partido duplica a representação na Assembleia da República (16 deputados), ao obter quase meio milhão de votos. Em Junho desse ano, o Bloco de Esquerda triplicou o número de eleitos no Parlamento Europeu, elegendo Miguel Portas, Marisa Matias e Rui Tavares.
5 de Junho de 2011
O Bloco de Esquerda perde metade dos mandatos nas eleições antecipadas.
11 de Novembro de 2012
Catarina Martins e João Semedo foram eleitos para uma liderança bicéfala, sucedendo a Francisco Louçã, que era porta-voz desde Maio de 2005.
4 de Outubro de 2015
O Bloco de Esquerda tem o melhor resultado de sempre, elege 19 deputados e faz nascer a geringonça, apoiando, juntamente com PCP e Os Verdes, o governo minoritário do PS. Em 2019, o Bloco mantém a representação parlamentar.
30 de Janeiro de 2022
O partido fica reduzido a cinco deputados. Um ano depois, Catarina Martins anuncia não se recandidatar à liderança e Mariana Mortágua avança.