A Câmara de Alcochete assinou um contrato para a compra de cerca de 600 bilhetes para corridas de touros, no valor de mais de 12 mil euros, com a empresa Toiros e Tauromaquia. Datado de 3 de Março de 2023, o contrato foi adjudicado por ajuste directo, tendo por “objecto principal a aquisição do serviço de eventos tauromáquicos”, no âmbito do “PRR (...) – Eixo da Saúde”.
Questionado pelo NOVO sobre qual a relação entre o “Eixo da saúde” do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e a realização de iniciativas de tauromaquia, o gabinete de comunicação da Câmara Municipal de Alcochete justificou que estas se inserem no projecto (Qual)Idade +.
O município presidido por Fernando Pinto (PS) esclarece, na resposta enviada ao NOVO, que as iniciativas tauromáquicas em causa se enquadram numa alínea do projecto que prevê o “desenvolvimento de acções de promoção do envelhecimento activo e saudável, no âmbito das Operações Integradas Locais”. No entanto, de acordo com o site da autarquia, o (Qual)Idade +, aprovado pelo POR Lisboa 2020 a 2 de Outubro de 2019, terminou no final do ano passado. A câmara assegura, porém, que “o projecto foi prorrogado”.
De acordo com as informações disponíveis no portal BASE, no total, são cinco as corridas de touros requisitadas pela Câmara de Alcochete à Touros e Tauromaquia, tendo a primeira já decorrido, a 3 de Março, a favor dos bombeiros voluntários do município. As restantes iniciativas vão realizar-se no próximo Verão, a 24 de Junho e a 11, 13 e 14 de Agosto. A Câmara de Alcochete especificou ao NOVO que os cerca de 600 bilhetes, “a dividir pelas cinco iniciativas previstas”, foram “distribuídos aos seniores do concelho, com mais de 55 anos, inscritos no programa Seniores + Activos”.
O NOVO também perguntou ao Ministério da Coesão Territorial se os eventos tauromáquicos podem ser considerados iniciativas de promoção do envelhecimento saudável e se enquadram os critérios de utilização de verbas do PRR. O gabinete de comunicação da ministra Ana Abrunhosa disse não dispor de elementos para responder às questões, justificando que a sua intervenção no PRR se limita aos investimentos nas “áreas de acolhimento empresarial, missing links e ligações transfronteiriças”. O gabinete da ministra remeteu esclarecimentos para a Estrutura de Missão Recuperar Portugal – que tem o objectivo de negociar, contratualizar e monitorizar a execução do PRR –, que não respondeu ao NOVO até ao fecho desta edição. Já a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), igualmente contactada, não prestou esclarecimentos.
O NOVO apurou ainda que a plataforma cívica Basta de Touradas apresentou uma denúncia no site da Estrutura de Missão Recuperar Portugal, entidade responsável por negociar, contratualizar e monitorizar a execução do PRR.
Já o Pessoas–Animais–Natureza (PAN) enviou uma pergunta escrita à ministra da Coesão Territorial, a 17 de Março, a questionar a actuação da Câmara de Alcochete. “Parece evidente que a promoção de espectáculos violentos e que incluem maus-tratos a animais não se pode incluir nos objectivos do PRR”, lê-se no site do Parlamento.
Ao NOVO, a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, revelou que a pergunta feita ao Ministério da Coesão Territorial será reforçada ao Governo, uma vez que o ministério de Ana Abrunhosa disse também que “não está sob a sua tutela”. E acrescentou: “É absurdo que a pergunta seja devolvida sem ser encaminhada para a tutela competente. Vamos submetê-la novamente. Temos direito à informação.”
Inês de Sousa Real referiu ainda que, caso “o Governo insista em não responder e não haja um pedido de reparação por parte da câmara e pedido de satisfação à câmara pelo Governo, [terá] de fazer queixa à Comissão Europeia”.