Em Janeiro, numa audição no Parlamento, o presidente do Tribunal de Contas (TdC), José Tavares, tinha já sinalizado que a instituição vai avançar com uma auditoria à TAP e disse que não podia ficar indiferente às notícias que têm envolvido a companhia aérea, como o caso da indemnização de meio milhão de euros paga à antiga secretária de Estado Alexandra Reis, pela saída antecipada da administração da TAP.
Fonte oficial do TdC revelou ao Jornal Económico (JE) que o período de incidência da nova auditoria começa em 1 de Julho de 2017, após recompra de capital na TAP nesse ano, incidindo sobre a gestão da TAP desde esta data. E avança que as questões remuneratórias são apenas “uma parte acessória” do seu objecto, quando estão em causa ajudas públicas de 3,2 mil milhões de euros na companhia aérea e numa altura em que se avolumam os casos polémicos, com o mais recente a ser revelado na sexta-feira passada pelo Jornal Económico: o bónus que a CEO da TAP pode receber da companhia aérea caso cumpra os objectivos da reestruturação, que poderá chegar aos 3 milhões de euros, previsto num contrato que não foi aprovado pela assembleia geral (AG) da empresa, podendo, por isso, tornar-se inválido.
Segundo fonte oficial do TdC, “em 07/06/2018, o Tribunal de Contas aprovou o Relatório de Auditoria 10/2018 – 2.ª Secção sobre ‘Reprivatização e Recompra da TAP’. Concluído o processo de acompanhamento do acolhimento das recomendações desse Relatório e com base na análise de risco que suporta o seu Plano Estratégico Trienal 2023/2025, o Tribunal decidiu realizar nova auditoria sobre a TAP”.
Questionada pelo JE qual é o objecto da nova auditoria e se o bónus ilegal à CEO da TAP será alvo do escrutínio do Tribunal de Contas, a mesma fonte revela que “o período de incidência da auditoria sobre a ‘Reprivatização e Recompra da TAP’ correspondeu ao da execução do processo de recomposição do capital social da TAP SGPS (até 30/06/2017)” e que “o período de incidência da nova auditoria começa em 01/07/2017, incidindo sobre a gestão da TAP desde esta data. As questões remuneratórias são apenas uma parte acessória do seu objecto, que é muito mais amplo, abrangendo a gestão em geral”.
Ou seja, a nova auditoria abrangerá a auditoria ao processo de nacionalização da TAP, em 2020, na sequência dos efeitos do sector na pandemia, e as injecções de capital do Estado. E abrangerá ainda o período pós-operação de recompra pelo Estado, efectuada em Junho de 2017, pelo executivo de António Costa, das acções necessárias para deter 50% do respectivo capital social e recuperar controlo estratégico da companhia. Esta recompra – que já foi alvo do alerta do TdC de que aumentou riscos para o Estado – surgiu, recorde-se, após a operação de reprivatização de 61% do capital da TAP, concretizada pelo governo liderado por Passos Coelho em Novembro de 2015, por venda directa ao consórcio Atlantic Gateway (de Humberto Pedrosa e David Neeleman), para cumprir compromissos assumidos com a troika e viabilizar a recapitalização e viabilidade financeira.
A mesma fonte dá ainda conta de que “a auditoria se encontra em fase de planeamento, no final da qual serão fixados os respectivos termos de referência e a calendarização pormenorizada”, após, a 17 de Janeiro, o presidente do TdC ter revelado, numa audição na Comissão de Orçamento e Finanças, no Parlamento, que está prevista uma auditoria, e realçado que, perante polémicas, o Tribunal tende a manter-se à margem, mas “acompanha, vê, ouve e lê”.
“Temos também prevista uma auditoria na TAP”, disse José Tavares, numa audição na Comissão de Orçamento e Finanças, no Parlamento, em resposta à pergunta do deputado social-democrata Hugo Carneiro sobre se a instituição previa uma acção de auditoria à TAP.
O caso da indemnização de meio milhão de euros paga à antiga secretária de Estado Alexandra Reis, pela saída antecipada da administração da TAP, levou à demissão do ex-ministro das Infra-Estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, e a uma remodelação no Governo. E está actualmente a decorrer também uma auditoria da Inspecção-Geral das Finanças (IGF) sobre a polémica da TAP, que o ministro das Finanças, Fernando Medina, indicou será tornada pública quando concluída.
Já na passada sexta-feira, 3 de Fevereiro, o JE revelou em primeira mão que o bónus que a CEO da TAP pode receber da companhia aérea caso cumpra os objectivos da reestruturação pode chegar aos 3 milhões de euros, superando os 2 milhões de euros anteriormente noticiados. Contudo, o contrato que regula o valor ainda não foi ratificado pela assembleia geral (AG) da empresa, podendo, por isso, tornar-se inválido, e o pagamento do bónus não será devido. O contrato de Christine Ourmières-Widener, assinado a 8 de Junho de 2021, prevê ainda exercício de funções de cinco anos até 2026 (os restantes membros da administração têm mandato para quatro anos, para o quadriénio 2021-2024), cujo timing foi negociado com o antigo ministro das Infra-Estruturas, Pedro Nuno Santos, numa altura em que já se sabia que a empresa seria privatizada após a conclusão da reestruturação, em 2025. Ou seja, para despedir a CEO da empresa, os futuros donos da TAP terão de pagar uma indemnização e todas as remunerações vincendas.
Os partidos da oposição criticaram em uníssono o bónus milionário que Christine Ourmières-Widener pode receber da TAP caso cumpra o plano de reestruturação até 2025, o qual não passou pelo crivo dos accionistas da companhia aérea representados pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças na reunião magna de accionistas. Consideram “grave” e defendem que o prémio, previsto em contrato “secreto”, não deve ser pago se for ilegal. Apelidando mais este caso de “inaceitável”, reclamam “escrutínio e transparência” na gestão para defender a TAP e o interesse nacional.
O Chega, o primeiro partido a reagir, ao defender que é uma “questão de legalidade e de invalidade”, requereu já formalmente explicações ao Governo sobre o bónus e sobre quem o autorizou.
No mesmo dia, o novo ministro das Infra-Estruturas assegurou que o Estado é pessoa de bem e vai cumprir o acordado relativamente ao bónus da CEO da TAP se o processo de reestruturação da companhia for bem-sucedido. João Galamba explicou que o plano de reestruturação da TAP, na altura da deliberação da Comissão de Vencimentos, não estava aprovado.
Recompra da TAP aumentou riscos para o Estado, alertou TdC em anterior auditoria
Na anterior auditoria à privatização e recompra da TAP, o Tribunal de Contas conclui que falta de consenso político e mudanças contratuais deixaram o Estado mais exposto se algo correr mal na transportadora.
Segundo a instituição que fiscaliza as contas públicas, a recompra de capital na TAP, concretizada em 2017, levou o Estado a assumir maiores responsabilidades na capitalização e financiamento da empresa. Na altura, sinalizou mesmo que, apesar de o governo socialista ter recuperado o controlo estratégico da companhia com esta operação, que lhe permitiu ficar com 50% do grupo de aviação, perdeu direitos económicos, que passaram de 34% para 5%, em futuras distribuições de dividendos. Em resultado, ficou com uma maior exposição aos riscos adversos da empresa, em que se inclui a possibilidade de o Estado assumir a dívida bancária até à privatização.
Nessa auditoria, o TdC advertiu que o processo de reprivatização e recompra da TAP foi “regular”, mas “não o mais eficiente”, pois as “sucessivas alterações contratuais” agravaram as “responsabilidades do Estado” e aumentaram a “exposição às contingências adversas da empresa”. E recomendou que o Estado adoptasse mecanismos de partilha de riscos, responsabilidades e benefícios com os parceiros privados no âmbito da participação do Estado em empresas de carácter estratégico, como é o caso da TAP, assim como um “maior acompanhamento e controlo para assegurar a necessária transparência sobre a sustentabilidade do negócio, incluindo, no respectivo plano estratégico, a informação adequada com a projecção suficiente, bem como análises de custo-benefício e de risco”.