Tribunal de Contas vai analisar gestão da TAP desde Julho de 2017

O período de incidência da nova auditoria começa em 1 de Julho de 2017, após recompra de 50% do capital da TAP, nesse ano, pelo governo socialista, incidindo sobre a gestão da TAP desde esta data, o que abrange a nacionalização, em 2020, e as injecções públicas de 3,2 mil milhões de euros. A revelação foi feita ao JE por fonte oficial do TdC que dá conta de que as questões remuneratórias, como o caso da indemnização de 400 mil euros a ex-gestora ou do bónus milionário até 3 milhões à CEO da companhia são apenas “uma parte acessória” do objecto da nova auditoria. “Gestão em geral” está na mira da entidade que fiscaliza as contas públicas.



Em Janeiro, numa audição no Parlamento, o presidente do Tribunal de Contas (TdC), José Tavares, tinha já sinalizado que a instituição vai avançar com uma auditoria à TAP e disse que não podia ficar indiferente às notícias que têm envolvido a companhia aérea, como o caso da indemnização de meio milhão de euros paga à antiga secretária de Estado Alexandra Reis, pela saída antecipada da administração da TAP.

Fonte oficial do TdC revelou ao Jornal Económico (JE) que o período de incidência da nova auditoria começa em 1 de Julho de 2017, após recompra de capital na TAP nesse ano, incidindo sobre a gestão da TAP desde esta data. E avança que as questões remuneratórias são apenas “uma parte acessória” do seu objecto, quando estão em causa ajudas públicas de 3,2 mil milhões de euros na companhia aérea e numa altura em que se avolumam os casos polémicos, com o mais recente a ser revelado na sexta-feira passada pelo Jornal Económico: o bónus que a CEO da TAP pode receber da companhia aérea caso cumpra os objectivos da reestruturação, que poderá chegar aos 3 milhões de euros, previsto num contrato que não foi aprovado pela assembleia geral (AG) da empresa, podendo, por isso, tornar-se inválido.

Segundo fonte oficial do TdC, “em 07/06/2018, o Tribunal de Contas aprovou o Relatório de Auditoria 10/2018 – 2.ª Secção sobre ‘Reprivatização e Recompra da TAP’. Concluído o processo de acompanhamento do acolhimento das recomendações desse Relatório e com base na análise de risco que suporta o seu Plano Estratégico Trienal 2023/2025, o Tribunal decidiu realizar nova auditoria sobre a TAP”.

Questionada pelo JE qual é o objecto da nova auditoria e se o bónus ilegal à CEO da TAP será alvo do escrutínio do Tribunal de Contas, a mesma fonte revela que “o período de incidência da auditoria sobre a ‘Reprivatização e Recompra da TAP’ correspondeu ao da execução do processo de recomposição do capital social da TAP SGPS (até 30/06/2017)” e que “o período de incidência da nova auditoria começa em 01/07/2017, incidindo sobre a gestão da TAP desde esta data. As questões remuneratórias são apenas uma parte acessória do seu objecto, que é muito mais amplo, abrangendo a gestão em geral”.

Ou seja, a nova auditoria abrangerá a auditoria ao processo de nacionalização da TAP, em 2020, na sequência dos efeitos do sector na pandemia, e as injecções de capital do Estado. E abrangerá ainda o período pós-operação de recompra pelo Estado, efectuada em Junho de 2017, pelo executivo de António Costa, das acções necessárias para deter 50% do respectivo capital social e recuperar controlo estratégico da companhia. Esta recompra – que já foi alvo do alerta do TdC de que aumentou riscos para o Estado – surgiu, recorde-se, após a operação de reprivatização de 61% do capital da TAP, concretizada pelo governo liderado por Passos Coelho em Novembro de 2015, por venda directa ao consórcio Atlantic Gateway (de Humberto Pedrosa e David Neeleman), para cumprir compromissos assumidos com a troika e viabilizar a recapitalização e viabilidade financeira.

A mesma fonte dá ainda conta de que “a auditoria se encontra em fase de planeamento, no final da qual serão fixados os respectivos termos de referência e a calendarização pormenorizada”, após, a 17 de Janeiro, o presidente do TdC ter revelado, numa audição na Comissão de Orçamento e Finanças, no Parlamento, que está prevista uma auditoria, e realçado que, perante polémicas, o Tribunal tende a manter-se à margem, mas “acompanha, vê, ouve e lê”.

“Temos também prevista uma auditoria na TAP”, disse José Tavares, numa audição na Comissão de Orçamento e Finanças, no Parlamento, em resposta à pergunta do deputado social-democrata Hugo Carneiro sobre se a instituição previa uma acção de auditoria à TAP.

O caso da indemnização de meio milhão de euros paga à antiga secretária de Estado Alexandra Reis, pela saída antecipada da administração da TAP, levou à demissão do ex-ministro das Infra-Estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, e a uma remodelação no Governo. E está actualmente a decorrer também uma auditoria da Inspecção-Geral das Finanças (IGF) sobre a polémica da TAP, que o ministro das Finanças, Fernando Medina, indicou será tornada pública quando concluída.

Já na passada sexta-feira, 3 de Fevereiro, o JE revelou em primeira mão que o bónus que a CEO da TAP pode receber da companhia aérea caso cumpra os objectivos da reestruturação pode chegar aos 3 milhões de euros, superando os 2 milhões de euros anteriormente noticiados. Contudo, o contrato que regula o valor ainda não foi ratificado pela assembleia geral (AG) da empresa, podendo, por isso, tornar-se inválido, e o pagamento do bónus não será devido. O contrato de Christine Ourmières-Widener, assinado a 8 de Junho de 2021, prevê ainda exercício de funções de cinco anos até 2026 (os restantes membros da administração têm mandato para quatro anos, para o quadriénio 2021-2024), cujo timing foi negociado com o antigo ministro das Infra-Estruturas, Pedro Nuno Santos, numa altura em que já se sabia que a empresa seria privatizada após a conclusão da reestruturação, em 2025. Ou seja, para despedir a CEO da empresa, os futuros donos da TAP terão de pagar uma indemnização e todas as remunerações vincendas.

Os partidos da oposição criticaram em uníssono o bónus milionário que Christine Ourmières-Widener pode receber da TAP caso cumpra o plano de reestruturação até 2025, o qual não passou pelo crivo dos accionistas da companhia aérea representados pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças na reunião magna de accionistas. Consideram “grave” e defendem que o prémio, previsto em contrato “secreto”, não deve ser pago se for ilegal. Apelidando mais este caso de “inaceitável”, reclamam “escrutínio e transparência” na gestão para defender a TAP e o interesse nacional.

O Chega, o primeiro partido a reagir, ao defender que é uma “questão de legalidade e de invalidade”, requereu já formalmente explicações ao Governo sobre o bónus e sobre quem o autorizou.

No mesmo dia, o novo ministro das Infra-Estruturas assegurou que o Estado é pessoa de bem e vai cumprir o acordado relativamente ao bónus da CEO da TAP se o processo de reestruturação da companhia for bem-sucedido. João Galamba explicou que o plano de reestruturação da TAP, na altura da deliberação da Comissão de Vencimentos, não estava aprovado.

Recompra da TAP aumentou riscos para o Estado, alertou TdC em anterior auditoria

Na anterior auditoria à privatização e recompra da TAP, o Tribunal de Contas conclui que falta de consenso político e mudanças contratuais deixaram o Estado mais exposto se algo correr mal na transportadora.

Segundo a instituição que fiscaliza as contas públicas, a recompra de capital na TAP, concretizada em 2017, levou o Estado a assumir maiores responsabilidades na capitalização e financiamento da empresa. Na altura, sinalizou mesmo que, apesar de o governo socialista ter recuperado o controlo estratégico da companhia com esta operação, que lhe permitiu ficar com 50% do grupo de aviação, perdeu direitos económicos, que passaram de 34% para 5%, em futuras distribuições de dividendos. Em resultado, ficou com uma maior exposição aos riscos adversos da empresa, em que se inclui a possibilidade de o Estado assumir a dívida bancária até à privatização.

Nessa auditoria, o TdC advertiu que o processo de reprivatização e recompra da TAP foi “regular”, mas “não o mais eficiente”, pois as “sucessivas alterações contratuais” agravaram as “responsabilidades do Estado” e aumentaram a “exposição às contingências adversas da empresa”. E recomendou que o Estado adoptasse mecanismos de partilha de riscos, responsabilidades e benefícios com os parceiros privados no âmbito da participação do Estado em empresas de carácter estratégico, como é o caso da TAP, assim como um “maior acompanhamento e controlo para assegurar a necessária transparência sobre a sustentabilidade do negócio, incluindo, no respectivo plano estratégico, a informação adequada com a projecção suficiente, bem como análises de custo-benefício e de risco”.

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