Nos últimos 11 meses de guerra tenho reflectido muito sobre totalitarismo, ditadores e quem com eles colabora. E recorro tantas vezes ao exemplo alemão.
Quando, em Outubro de 1966, se abriram os portões da prisão de alta segurança de Berlim-Spandau, as luzes cegaram Albert Speer. Dezenas de jornalistas e milhares de populares esperavam o arquitecto e ministro do Armamento de Hitler como se fosse uma estrela pop. Cumpridos os 20 anos de pena a que fora sentenciado em Nuremberga por crimes de guerra e contra a humanidade, Speer viria a tornar-se, até à sua morte, em 1981, uma das grandes figuras da sociedade alemã ocidental. Era, parafraseando o semanário Der Spiegel, “o ex-nazi preferido dos cidadãos”. As suas memórias, publicadas em 1969, e os diários de Spandau, de 1975, contam-se, com mais de um milhão de exemplares vendidos, entre as obras mais lidas na Alemanha. Mesmo no filme de Oliver Hirschbiegel “A Queda”, é apresentado como um “gentleman nazi”. Declarou-se “culpado” em Nuremberga, mas afirmou ter “apenas uma ideia vaga” do que se passava nos campos de concentração - era um tecnocrata “apolítico”. Uma vaga ideia?
Speer tornou-se “um anjo saído do Inferno”, na expressão do seu editor Wolf Jobst Siedler, ao opor-se abertamente, nas últimas semanas de guerra, ao édito de Nero de Adolf Hitler (a destruição de todas as infra-estruturas - “o povo alemão, que se tinha revelado fraco, não merecia misericórdia”, devia, segundo o ditador, afundar-se, como o “Império dos mil anos”).
Se o número dois do regime não estaria informado do Holocausto, como poderiam outros elementos do regime estar? E o povo alemão? Que desculpa magnífica para a culpa de tantos.
O eloquente e bem apessoado nazi conseguiu, aparentemente, a quadratura do círculo: ser colaborador leal e um amigo de Hitler quase até aos derradeiros dias e, em simultâneo, manter-se um homem íntegro. Naturalmente que este retrato foi arrasado num documentário monumental de seis horas realizado por Heinrich Breloer. Ao contrário do que afirmou em Nuremberga e durante toda a vida, o arquitecto de Hitler não só tinha conhecimento do universo concentracionário como contribuiu directamente para a construção do campo de Auschwitz, tomou a iniciativa de deportar judeus berlinenses e enriqueceu graças à arianização de bens judaicos. Sem o talento organizativo de Albert Speer e a exploração do trabalho escravo ao serviço da construção de armamento, a guerra poderia ter terminado no final de 1943. No final de 1944, meio milhão de escravos produziam maquinaria bélica nazi. Para proteger a indústria de armamento dos bombardeamentos aliados, Speer decretou que se fabricassem armas em grutas subterrâneas. Um registo de 21 de Maio de 1943 refere-se ao “Programa Professor Speer”, destinado a transformar Auschwitz num campo de extermínio. Nesse documento, no qual Speer traçou copiosas notas, nas margens e sobre o texto, é explícita, sem ambiguidades, a vocação do Lager (campo de concentração). Se estes dados fossem conhecidos em Nuremberga, a sentença teria tido outro teor. Questionado pelo seu editor Wolf Jobst Siedler sobre o que faria se tivesse a escolha entre ser apenas um arquitecto de Heidelberg ou seguir o seu percurso de vida novamente, Albert Speer respondeu: “Faria tudo de novo. De novo a glória, de novo a vergonha, de novo o crime e a entrada nos livros de História.” Faz-nos reflectir, não faz?
Mala diplomática a subir
O Presidente da Ucrânia sublinhou, em mensagem de vídeo, nesta sexta-feira, 27 de Janeiro, que é também o Dia da Memória do Holocausto e em que se assinala o 78.º aniversário da libertação de Auschwitz-Birkenau, que “o ódio e a indiferença matam”. Zelenski, que é judeu, prestou homenagem aos milhares de judeus ucranianos mortos pela treva nazi.
Mala diplomática a descer
Portugal tem 37 tanques Leopard A6, mas a maior parte estará kaputt, inoperacional, noticia a edição desta sexta-feira do Expresso, que cita fontes do Exército. A maioria destes carros de combate estão no “nível vermelho de operacionalização”, segundo uma escala utilizada pela NATO para averiguar a prontidão dos equipamentos a serem utilizados em combate. Será esta a explicação para os avanços e recuos do governo português no envio de carros de combate portugueses para a Ucrânia?