Opinião

Uma inquietante tendência

Adalberto Campos Fernandes


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As eleições italianas reacenderam, de novo, a discussão sobre os riscos políticos potenciais que ameaçam as velhas democracias na Europa. Não estamos perante um fenómeno político novo ou sequer inesperado. A tendência está bem presente e há muito tempo. As mudanças, mais recentes, ocorridas em Itália e na Suécia representam apenas a ilustração de um movimento contínuo e persistente, em quase toda a Europa, de deslocação dos eleitores para escolhas políticas polarizadas numa direita mais radical em detrimento dos partidos tradicionais moderados do centro. Estamos perante uma transformação muito sensível do perfil do eleitor europeu que procura respostas em partidos e movimentos promotores de uma ideia de ruptura. Existe um evidente afastamento dos modelos políticos defendidos pelos partidos tradicionais, o qual tem vindo mesmo a provocar, nalguns países, a redução à insignificância de alguns partidos históricos ou até mesmo o seu desaparecimento. Ao contrário do que seria de esperar, a tendência dominante do establishment político tradicional não dá sinais de encontrar a justificação para esta mudança. Ao invés, refugia-se na rejeição primária do fenómeno, transferindo a culpa para os eleitores e imaginando a criação de “cercas sanitárias”, como se existissem cidadãos e eleitores de categoria e qualidade cívica diferentes.

Raras vezes se assiste a uma discussão profunda sobre as causas determinantes para os níveis cada vez maiores de abstenção ou para a crescente adesão a escolhas alternativas de cariz populista ou radical. Nem mesmo quando os estudos pós-eleitorais demonstram as surpreendentes transferências de voto entre segmentos, aparentemente, antagónicos do espectro político. Raras vezes se assiste à leitura fria e serena desses resultados e à retirada das indispensáveis ilações que eles implicam. A começar pelas razões da insatisfação, que levam à desistência da participação na vida política ou a escolhas que se afastam dos valores democráticos fundamentais. O que parece, de facto, estar a acontecer é um progressivo desajustamento entre a realidade social e a percepção que dela extrai o situacionismo tradicional. A origem desta perigosa dissociação está na persistência de elevados níveis de pobreza geradores de desigualdades e de fragmentação social. A resiliência das democracias há muito que ultrapassou a dimensão estrita dos valores da liberdade individual. A recuperação do caminho requer atenção aos direitos sociais, às condições de vida digna, autónoma e independente. É nesse terreno que se disputa, actualmente, o confronto entre a liberdade e a capitulação. É também nesse terreno que se deve conquistar a confiança das pessoas na política enquanto instrumento de melhoria das condições de vida, de segurança individual e colectiva, de estabilidade e de progresso. Se continuarmos a ignorar as causas profundas desta mudança teremos como certo o agravamento desta inquietante tendência.