Ao contrário das infra-estruturas construídas sem o cumprimento necessário das medidas de segurança legalmente previstas para mitigar impactos de terramotos e cujo desmoronamento foi fatal para milhares de pessoas, Recep Tayyip Erdogan tremeu, mas não caiu. E o mesmo aconteceu ao AKP.
As eleições decorreram com ataques mútuos de interferência no processo, mas sem os escândalos ou a agressividade que poderiam antever-se. Estas constatações óbvias do momento das eleições não eliminam as suspeitas ou evidências de condicionamento anterior do acto: a detenção do presidente da Câmara de Istambul e o afastamento de outros políticos curdos, o controlo dos meios de comunicação, bloqueios às redes sociais nas vésperas das eleições e acusações de ligações da oposição a grupos terroristas, lançando a carta da identidade turca e dos valores conservadores islâmicos numa audiência particularmente sensível a esses apelos. Juntou-se a este esforço de controlo da narrativa do regime a solidez da lealdade a um líder político autocrático cujas teias intrincadas se mantêm, não obstante crises humanitárias ou inflações galopantes, sustentadas por esquemas nepotistas de trocas de favores e corrupção.
Por outro lado, temos a oposição: um esforço sem precedentes numa desesperada tentativa de recuperação do kemalismo, mas, ao juntar numa aliança partidos ideologicamente tão diversos, teve um resultado agridoce: agradou a muitos e mobilizou as massas, mas desagradou aos maiores defensores de cada uma das ideologias que percepcionam nessas alianças eclécticas uma traição aos seus valores fundamentais.
Perante este cenário, o mapa com a distribuição dos votos é o mais previsível possível e segue as tendências das últimas eleições: Erdogan continua a colher o apoio da Turquia interior - com excepção da capital; Kiliçdaroglu conquistou as massas emburguesadas e as elites da costa do Mediterrâneo e do sudeste curdo.
Agora, os olhos não estão em Erdogan ou Kiliçdaroglu: é Sinan Ogan o fazedor de Presidentes neste momento. Antigo membro activo do Partido do Movimento Nacionalista, Ogan é um ultranacionalista convicto, apoiado, na candidatura, por uma aliança de quatro partidos de extrema-direita muito mais alinhados com a ideologia de Erdogan do que com a de Kiliçdaroglu, em particular na questão nacionalista e em relação aos curdos. A escolha está feita e foi comunicada há dias, sem surpresa. Nem sequer do Parlamento chegarão grandes desafios: a aliança liderada pelo AKP assegurou 322 dos 600 mandatos.
São 100 anos de uma república moderna, sonhada por Mustafa Kemal, o pai dos turcos, e entretanto transformada num outro sonho, o de Recep Tayyip Erdogan. A 28 de Maio descobriremos se a Turquia continuará no onírico de Erdogan ou se, surpreendentemente, despertará com os clamores de mudança de Kemal Kiliçdaroglu.