Opinião

Tiro no coração da democracia

André Pardal


Incrédulo, o país assistiu, na passada semana, a uma das páginas mais tristes da sua vida democrática.

Ao vivo e a cores, ficou à vista de todos – o que só numa democracia madura e escrutinada sucede –, com as audições dos últimos dias, o misto de amadorismo, compadrio e sentimento de impunidade que grassa em alguns sectores deste Governo.

Curiosamente, porque em política não há coincidências, 12 anos depois da saída de cena do “animal feroz” que levou o país a uma lendária bancarrota, nunca tantos portugueses se lembraram de um mesmo estilo, uma mesma postura e uns mesmos “truques”.

Contudo, ao contrário do que – para gáudio de muitos – aparenta, foram a democracia, os políticos em geral, e, principalmente, o país, como um todo, e não apenas este Governo ou o PS, a saírem manchados.

Populismos e extremismos, agradecem, penhoradamente. Porque, nunca é demais lembrar, a democracia – com todas as suas virtudes e defeitos - não é eterna, e, precisa, diariamente, de ser mantida e consolidada.

A utilização, a seu bel-prazer, dos recursos do Estado, incluindo Serviços de Informações e várias Polícias, sem o mínimo de formação ou coerência, o contacto directo a ministros - que tutelam, mas não dirigem, polícias ou investigações criminais - e a directores (e não agentes) das mesmas, demonstra a impreparação e falta de noção institucional que têm estes protagonistas, afamados por longos períodos em gabinetes governamentais, uns foguetórios parlamentares e televisivos ou a aparente (e hipócrita, como se vê na prática) defesa de minorias.

Por outro lado, serviços – ao mais alto nível - do Estado dirigidos por aqueles que, em falta nas suas carreiras especiais de origem, foram “formatados” para obedecer e não para dirigir ou questionar, levantam legítimas dúvidas em todos nós.

Comparar o actual “desaparecimento” da secretária-geral do SIRP com assunções de responsabilidade, como a do superintendente-chefe Paulo Valente Gomes, da PSP, ou a do general Carlos Jerónimo, do Exército, demonstram-nos o porquê de determinadas escolhas políticas dos últimos anos.

Já agora, onde anda o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna?

Como aqui escrevi, há semanas, a bravata de Costa, ao fazer politiquice e uma demonstração de força num momento em que deveria ter sentido de responsabilidade e de Estado, veio, naturalmente, dar razão ao Presidente da República que se torna o “dono da bola” outra vez.

No seu permanente jogo táctico, o primeiro-ministro conseguiu o improvável: agregar Marcelo, Cavaco e o PSD em uníssono é obra.