Há dias, as notícias referiram um ataque a um jovem nepalês residente em Olhão. O Presidente da República, provavelmente motivado por mais uma hipótese de coleccionar uma selfie, rapidamente montou o seu cenário teatral e repudiou, indignado, um acto que, segundo ele, traduz xenofobia e intolerância.
Sabemos hoje que o jovem nepalês foi assaltado (e brutalmente agredido), o que podia ter acontecido a um jovem de qualquer nacionalidade. Transformar este caso num caso isolado de um grupo xenófobo, em que o Presidente da República dispara alertas para pais e educadores, é desculpar a responsabilidade dos nossos governantes.
Todos sabemos que o problema da falta de mão-de-obra é enorme e que não é um problema exclusivo de Portugal. Temos a grande vantagem de ser um país seguro, o que nos torna atractivos para os jovens estrangeiros que procuram um local onde possam trabalhar, constituir família e não ter como tema central das suas vidas aquilo que, muito provavelmente, têm nos seus países de origem, que é a segurança.
Estes jovens, cheios de sonhos, chegam a Portugal na esperança de construir um futuro mais risonho para as suas famílias, mas, afinal, o que os espera por cá? Para começar, a total incapacidade de encontrar habitação condigna.
Todos nos lembramos das habitações dos trabalhadores das famosas estufas de Odemira. Aos nossos governantes, dá muito jeito que se fale apenas de Odemira, como se de um caso isolado se tratasse. Mas todas as cidades em Portugal começam a ter situações muito semelhantes.
Em Lisboa, no fim-de-semana passado, deflagrou um incêndio num prédio num dos bairros típicos da capital. Segundo dados da Protecção Civil, morreram duas pessoas e ficaram desalojadas 22. Nas primeiras noticias, ninguém sabia ao certo quantas pessoas viviam nesse prédio. Lembro-me, como todos certamente se lembrarão, do escândalo que foi quando todos vimos as imagens das condições de habitação dos trabalhadores estrangeiros em Odemira. O que é diferente aqui? Não termos visto as imagens? Ser na capital?
Gostaria de perguntar ao senhor Presidente da República se o incêndio que matou estas pessoas também é um incêndio xenófobo, ou se vai finalmente perceber que os jovens trabalhadores estrangeiros que estamos a receber em Portugal estão, efectivamente, em situações precárias e perigosas.
Está na hora de pararmos com desculpas. Está na hora de assumir responsabilidades. Não pode ser aceitável que jovens trabalhadores que escolhem Portugal para viver e trabalhar, e que tanta falta fazem à nossa economia e ao nosso crescimento, sejam obrigados a viver sem condições dignas. Está na hora de assumir que errámos e que, como não soubemos definir as nossas prioridades, a habitação é hoje um dos nossos maiores problemas e um dos maiores entraves ao crescimento.
Está na hora de alterar as políticas de habitação para que as cidades possam crescer. Precisamos de mais oferta de habitação para que os preços possam ser mais atractivos, precisamos de tornar as decisões mais flexíveis e de deixarmos para trás o excesso de burocracia que afugenta qualquer investidor ou quem, simplesmente, queira viver em Portugal e que, para um simples licenciamento, vai ver-se afundado em pedidos, taxas, entidades diversas e muito, muito tempo.
Podemos continuar a fingir que não estamos a ver que em cada cidade já temos uma “pequena Odemira”, podemos continuar a arranjar desculpas pontuais para cada caso isolado passado com trabalhadores estrangeiros em situação vulnerável, rotulando-os com grandes chavões, podemos constituir comissões de análises e de investigação, podemos continuar a tirar selfies com as vitimas estrangeiras de cada assalto ou incêndio, ou podemos, de uma vez por todas, assumir as nossas responsabilidades e começar verdadeiramente a criar condições de habitação digna para todos.