Opinião

Salvaguardar o futuro

Adalberto Campos Fernandes


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A apresentação do Orçamento do Estado corresponde, em cada ano, a um dos momentos mais importantes do ciclo político. Tal decorre do facto de em torno do Orçamento se concentrar o difícil exercício das escolhas no quadro geral das diferentes opções políticas. O Orçamento representa, no essencial, o instrumento de navegação de uma maioria e de um governo. A política orçamental depende do contexto de maior ou menor estabilidade e de pressupostos e cenários cuja concretização se afigura, quase sempre, marcada pela incerteza. Esse parece ser o caso do presente exercício orçamental. Os últimos quatro anos foram marcados pela adversidade. Primeiro, a pandemia associada à covid-19, a qual provocou, em todo o mundo, um dos maiores ciclos de desregulação económica e social de que há memória nos últimos anos. Mal refeita da crise pandémica, a economia mundial enfrenta uma guerra no centro da Europa com terríveis consequências ao nível humano, social e económico. A inflação instalou-se de forma brutal, corroendo o rendimento das famílias e pondo em risco o tecido empresarial mais frágil. No meio deste turbilhão que se arrasta, praticamente, desde o final de 2019, a Europa tem reagido de forma defensiva, tendo em conta esta sucessão de eventos profundamente adversos. Ao que parece, a receada recessão está dada como adquirida, com as inevitáveis consequências sobre o emprego, o rendimento e o bem-estar das pessoas. Entre nós pressente-se a angústia de uma nova crise e de um novo retrocesso. De forma quase unânime, é feito o apelo à protecção das famílias e das empresas através da intervenção do Estado - desde as ajudas directas ao rendimento até à revisão da política fiscal. Estamos, de novo, numa encruzilhada. O cenário macroeconómico apresentado pelo Governo indicia sinais de resistência face ao tsunâmi que parece estar em curso na Europa. Para 2023, poderemos sobreviver acima da linha de água com um crescimento ligeiramente superior a 1%. Mas a notícia mais surpreendente talvez seja a fixação da meta de 110,8% para a dívida pública em 2023, um valor que nos remete para o tempo anterior à intervenção externa. Trata-se de um sinal de responsabilidade política que importa registar e valorizar. Temos uma obrigação clara de salvaguardar o futuro e de aliviar os riscos deixados para as gerações futuras. A redução progressiva e sustentada da dívida tem de ser uma prioridade. Assegurar o máximo de protecção no presente sem comprometer o futuro representa a mais difícil equação no jogo de equilíbrio orçamental. Mas vale a pena ser firme neste propósito, porque apenas dessa forma será possível proteger o país de riscos previsíveis, infelizmente, vividos repetidamente no passado. Tudo indica que a “normalidade” económica e financeira dificilmente será retomada nos termos tradicionalmente ocorridos nos primórdios da globalização. O mundo mudou mesmo, e muito.