Opinião

República de Portugal

José Manuel Marques


D.Carlos foi rei morto e rei posto. O D. Manuel que lhe sucedeu não foi morto, mas foi deposto e, com isso, o Reino de Portugal passou a chamar-se de República Portuguesa. O nome deve ter tido origem em iluminados francófilos, com saudades dos exércitos de Napoleão Bonaparte. Seja como for, desde 1910, a palavra Portugal abandonou o nome do país.

A Constituição não é a Constituição de Portugal, é a Constituição da República Portuguesa. O Presidente não é o Presidente de Portugal, é o Presidente da República. Também o Governo é o Governo da República e até o Parlamento teve de mudar de nome, deixando de ser Assembleia Nacional para passar a ser Assembleia da República. Por isso, a república não é de Portugal. Portugal é que é da república e os donos da república acabam, por inerência, por ser os donos disto tudo. Disto tudo, entenda-se, de Portugal.

Os titulares do actual regime pertencem quase todos às mesmas famílias que tinham fundado a república de 1910 e, desde então, têm vindo a jurar que a república é algo simultaneamente político e ético. Caso o regime não seja ético, não é certamente uma república. Por isso, não consideram como república o regime que vigorou entre 1926 e 1974 porque, lá está, não era um regime ético, faltava-lhe a dita ética republicana.

Acontece que o actual regime está ética e republicanamente validado pelos velhos republicanos e já teve tempo suficiente para se desenvolver e produzir frutos. E se fôssemos pelas ruas e campos desta terra, perguntar se este é um regime fundado na ética? Adivinha-se a resposta. A corrupção é uma besta de dimensões apocalípticas, envolve altos dignitários dos três poderes do Estado e espalha-se como óleo pelas autarquias. O nepotismo é transversal a todos os domínios e a todos os partidos e o exercício do serviço público é hereditário. Filhos de ministros são ministros. Filhos de deputados são deputados. Filhos de autarcas são autarcas e a vergonha é filha da vergonha.

Seria fastidioso elencar toda a falta de ética que nos rodeia; basta dizer que ela, a falta de ética, é universal e imaginativa. Este estado de coisas levou à própria corrupção da alma portuguesa, que cada vez mais se contenta em ser servil e pedinte. Pano branco num braço dobrado para servir à esplanada uns camones. Espinha dorsal curvada à espera da gorjeta. Quem não se renega emigra, tal como se emigrava quando a república não era republicana.

E quando se esperava ter-se já visto tudo, o país sobressalta-se com mais um fruto bichado deste regime apodrecido: a insubordinação na Armada Portuguesa. Mas não, não foi insubordinação, foi um acto de cobardia, praticado por uns acobardados que enxovalharam as memórias de milhares de heróis marítimos que deram a vida em combate por Portugal.

Senhor almirante Gouveia e Melo, seja duro e firme. Lembre-se que herda as memórias de um Fuas Roupinho ou de um Afonso de Albuquerque, entre milhares de outros heróis do mar. Estamos fartos de republiquetas. Precisamos é de uma república que não se envergonhe e não envergonhe o nome de Portugal: a República de Portugal.