Opinião

Quando é que deixou de gostar de Walter White?

Carlos Guimarães Pinto


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Spoiler alert: Os leitores que nunca viram “Breaking Bad” não devem ler o resto do texto. Esta recomendação aplica-se mesmo que não planeiem ver, porque podem sempre mudar de ideias e eu não quero carregar a culpa de vos ter tirado o prazer de desfrutar de uma das melhores séries de sempre.

No princípio de “Breaking Bad”, um professor de Química com um filho com uma deficiência motora é diagnosticado com um cancro incurável. Ansioso pelo futuro financeiro da sua família, decide usar os seus conhecimentos para produzir uma metanfetamina de boa qualidade para vender. Começando como um professor idealista que só queria juntar algum dinheiro para a família, ele vai-se transformando, ao longo de cinco temporadas, num barão da droga capaz das piores atrocidades para manter a sua posição de poder.

Pela forma como é colocada a situação no princípio, é impossível não simpatizar com a personagem. Afinal, a sua droga seria mais pura e mais segura, e todo o objectivo da produção era apenas juntar algum dinheiro para ajudar a família.

A partir daí, o caminho para a vilania é gradual, quase imperceptível. Tal como os pais que não conseguem ver um filho a crescer, o espectador mal consegue ver a personagem a mudar. Cada momento de escalação parece óbvio, natural e justificado. O espectador vai acompanhando a personagem central e justificando mentalmente cada passo, até torcendo pelo sucesso das acções mais agressivas, mesmo quando devia ser óbvia a mudança na personagem.

Numa das cenas mais conhecidas da série, Walter White entra num armazém onde foi sendo guardado o dinheiro que ganhou. O dinheiro era tanto que seria impossível contá-lo. Por essa altura, já tinha mais dinheiro do que alguma vez a sua família poderia gastar. O objectivo inicial estava mais que cumprido, mas já não era isso que lhe interessava. O poder tinha-o mudado irreversivelmente. Manter esse poder, ter o medo e o reconhecimento dos outros e abater os inimigos já não eram meios para o nobre fim inicial de juntar dinheiro para a família, mas fins em si mesmos.

Ao longo de toda a série, Walter White repetia várias vezes que estava a fazer aquilo pela sua família. No princípio, de forma genuína, depois, para convencer os outros e, lá para o fim, para se convencer a si mesmo e viver bem com a sua consciência. Num dos últimos episódios assume finalmente que, afinal, não o fez pela família, mas por si próprio, pela forma como aquilo o fazia sentir-se.

Se alguém começasse a ver na 2.ª ou 3.ª temporada, não teria dúvidas em considerá-lo um vilão, mas quem o acompanha desde o primeiro episódio tem dificuldades em vê-lo como tal até muito tarde. Alguns simpatizam com ele até ao fim. E o leitor, em que momento da história se apercebeu que Walter White era um vilão? Seria capaz de o reconhecer noutras circunstâncias menos ficcionais?

A natureza humana é complexa e, ao mesmo tempo, previsível. Se a ocasião faz o barão, o melhor é fugir à ocasião.