Opinião

Portugal já tem muitas casas?

Carlos Guimarães Pinto

Segundo os censos, entre 1981 e 1991 ficámos com mais 758 mil casas; entre 1991 e 2001, mais 861 mil; entre 2001 e 2011, mais 823 mil. Em média, nestas três décadas de democracia, adicionaram-se mais de 800 mil casas ao mercado a cada dez anos. Esse era o valor normal de construção em Portugal, em democracia.

Na última década, este valor caiu abruptamente de 800 mil para cerca de 100 mil - uma diferença enorme de 700 mil casas de uma década para a outra. Sem grande surpresa, esta queda coincidiu com uma crise da habitação.

Sempre que estes factos são apresentados aparece alguém a informar que, na realidade, não precisamos de construir porque Portugal já tem muitas casas. Como todas as boas narrativas falsas, esta tem um fundo de verdade. Um relatório da OCDE de 2022 coloca Portugal no quarto lugar em número de casas por mil habitantes, apenas ultrapassado por Grécia, França e Itália.

Afinal, temos casas a mais? Nem por isso. Não é coincidência que Portugal esteja no topo desta tabela, logo atrás de outros países com grandes zonas turísticas (Grécia, França e Itália, com Malta e Espanha logo atrás). Na contabilização do número de casas temos imensas casas de férias tanto de portugueses como de estrangeiros. Sendo importantes para a economia portuguesa, estas casas de férias não contam verdadeiramente na hora de contabilizar a disponibilidade de casas para as pessoas viverem no resto do ano. A estatística de casas por habitante esconde realidades muito distintas. Há concelhos no Algarve com tantas casas como habitantes e não é, certamente, por as pessoas viverem sozinhas.

Depois temos o problema do centralismo. Nos últimos 20 anos, a população portuguesa diminuiu, mas a população da Área Metropolitana de Lisboa aumentou em 200 mil. Muitas casas que, antes, as pessoas podiam usar para viver no dia-a-dia acabaram abandonadas ou transformadas em casas de fim-de-semana neste processo de migração interna de oportunidades. Se, no Algarve, devido às casas de férias, há quase tantas casas como habitantes, em dezenas de concelhos do interior do país, as mesmas estatísticas dizem que há mais casas do que habitantes. Dificilmente este “excesso” de casas em concelhos do interior do país resolve o problema de quem procura casa onde se concentram a actividade económica e os empregos.

O argumento dos alojamentos vagos também não resiste ao teste dos factos. Em 2011, Portugal tinha mais alojamentos vagos do que tem hoje, mas os preços da habitação estavam mais baixos. Não foi isso que mudou nos últimos anos. O que mudou foi mesmo o declínio da construção. Um estudo do LNEC para 2011 já apontava, na altura, para o facto de metade dos chamados alojamentos vagos precisarem de obras de remodelação.

A discussão ideológica, hoje, não deveria estar na necessidade de construir mais. Essa é evidente e rejeitá-la é apenas adiar a solução. A discussão ideológica deveria concentrar-se na forma de incentivar essa construção e quem deve liderá-la (Estado, privados, cooperativas). Aceitemos os factos e foquemo-nos na discussão que importa.