Opinião

O Orçamento é sempre o mesmo Velho do Restelo

Ana Pedrosa-Augusto


Chegou a altura do Orçamento do Estado! Ansiamos por este momento e, invariavelmente, as expectativas são grandes.

Infelizmente, nos últimos anos, a agitação não resulta do que seja um grande rasgo de inovação que possamos encontrar, mas sim do que é colocado em cima da mesa pelo Governo para negociar à sua esquerda. A respiração fica sustida bastante tempo sob a pergunta: num país ainda capitalista, num país em que ainda há uma réstia de economia de mercado, que medidas de cedência vamos ter de tolerar em nome de uma pretensa estabilidade governativa?

Além disto, que não é dizer pouco, ano após ano recebemos a mesma lição: “O Orçamento é nosso amigo.” É amigo das famílias, é amigo das empresas, é amigo dos jovens, é amigo do ambiente. Lamentavelmente, os episódios subsequentes da saga mostram que este é um daqueles casos em que, “com amigos assim”...

A grande diferença deste 2021 é que há uma variável extraordinária e especial que podia permitir uma lufada de ar fresco: chama-se PRR e não há português que não saiba o que é. Como ouviu mil vezes durante a campanha para as eleições autárquicas, o PS gritou bem alto que dominava estes muitos milhões e que ia entregá-los aos municípios, aos serviços do Estado, às empresas do Estado, ao Estado, ao Estado, ao Estado. Faltou esta nota na apresentação do Orçamento: é amigo do Estado. Não há nada de novo, portanto.

Esta percepção é de tal forma verdadeira que, de acordo com um inquérito realizado em Setembro pela AEP – Associação Empresarial de Portugal, apenas 7% das empresas consideram que poderão eventualmente aproveitar estes fundos. Porquê? A principal razão prende-se com o facto de considerarem que está, à partida, tudo canalizado para o Estado.

Ora, faz sentido: como há pouco tempo referiu o nosso Presidente da República, sem consequência, os portugueses sempre viveram dependentes do Estado. Aqui estamos, bem resumidos, bem apresentados ao mundo. Portugueses, um povo que é pouco mais do que dependente do Estado. E assim continuará.

Este Orçamento é por isso, sem surpresa, um espelho disto mesmo. Tem algumas medidas redentoras, o que deve ser reconhecido e aplaudido, como o fim do absurdo pagamento especial por conta para as empresas, o alargamento do IRS jovem, tanto em tempo como em tipo de trabalho elegível, ou o aumento das miseráveis pensões que são causa de vergonha nacional (imagino que ninguém conteste a necessidade do seu aumento, só a fonte do respectivo financiamento).

Mas, à semelhança dos outros anos, não contém qualquer incentivo à poupança, antes pelo contrário, penaliza fortemente quem a faça; não introduz qualquer flexibilidade na gestão das empresas, que pagam, entre tudo o mais, a mais pesada factura de energia; e mantém a fortíssima e tendencialmente crescente tributação indirecta, que a todos calha. Esquece, novamente, que sem empresas fortes não há salários, emprego ou consumo.

Mantém o seu rumo de reforço de dependência das pessoas e de estatização da economia, voltando a usar recursos (e muitos) na TAP, por exemplo.

Pior que tudo, continua o seu papel de diabolização dos que considera “muito ricos”. Seriam tremendamente médios em qualquer outro país, mas aqui são considerados ricos. Introduz medidas de duvidosa constitucionalidade para agravar brutalmente a tributação do investimento no mercado de capitais (como se ele não fosse necessário) e baixa o limiar a partir do qual a taxa máxima de imposto é aplicável.

Continua, assim, a fomentar-se o discurso de classe, a acicatar-se a inveja, a promover a ambição como algo negativo. Repete-se à exaustão que só o público é bom, decente e aceitável.

Pasme-se, no entanto, que ainda assim não há garantia de aprovação do Orçamento à esquerda. Há que suster novamente a respiração e esperar o que aí vem.

Independentemente do cenário, há algo que é certo: Portugal ficará relegado a permanecer qual Velho do Restelo, com os seus pés sempre assentes no mesmo sítio, já de bengala e de fraca saúde, vendo passar todos os outros países à sua frente, a crescer e a aventurar-se em mais e melhor, gritando-lhes que a mudança é má.