Opinião

O novo Índex

André Pardal


À semelhança do famoso e nefasto “Índice de Livros Proibidos”, instituído pela Igreja Católica em reacção aos movimentos protestantes do século XVI e que perduraria durante séculos, grassa nos últimos anos um novo Índex, desta feita “apadrinhado” pelos movimentos ditos progressistas, que visa uniformizar um conjunto de posicionamentos em torno do politicamente correcto, a nova “ditadura”.

Como em muitos outros aspectos da vida em sociedade, em que os últimos anos têm sido pródigos, passou-se do oito ao oitenta em muito pouco tempo.

Suprema das ironias, estes movimentos – censores activos do que esteja em discordância com o seu “novo pensamento único” – contrariam um dos esteios de toda a cultura ocidental moderna: a tolerância, que tanto apregoam para os outros, magistralmente descrita na sua “Carta sobre a Tolerância”, por John Locke, em pleno século XVII, fundamentando a separação entre Estado e Igreja e, obviamente, inscrita no Índex original.

É esta marca que continua a fazer dos países ocidentais (e não dos outros) pólos de atracção, diários, de milhões de cidadãos de todo o mundo.

No nosso país, não precisamos de recuar muito no tempo para, em plena ditadura do Estado Novo, ser expressamente proibida a utilização nos jornais, pela censura (a outra, e não esta), de termos como “vigarista” (era meliante), “assassino” (um facínora), “vermelho” (encarnado) ou “ladrão” (amigo do alheio).

Hoje, os termos a proibir pelos novos censores são “gordo” (agora pessoas com excessos alimentares), “louco” (pessoa com défice cognitivo) ou “preto” (negro), para, qualquer dia e em nome da artificial neutralidade, também “homem” e “mulher”.

Não há outra forma de o dizer: a cultura do cancelamento e estes novos censores estão em directa oposição a uma das maiores conquistas civilizacionais do ser humano: a sua liberdade de expressão.

Nesta sua ânsia de reescrever a História, seja na arte, na literatura ou até mesmo no cinema – vejam-se as polémicas em torno dos Descobrimentos, dos contos da Disney ou de obras-primas da literatura mundial –, tudo descaracterizando, esquecem que, à imagem do Índex original, a longo prazo, os resultados serão precisamente o contrário ou, como diria o dramaturgo francês Destouches, “chassez le naturel, il revient au galop”.