Opinião

O efeito “Divisão Fantasma”

Nuno Félix


Muito se especula sobre se a ofensiva ucraniana terá começado, qual será o seu primeiro grande momento e quais os objectivos territoriais da mesma. Como tive oportunidade de escrever, estamos claramente na fase de Shaping Operations. A Ucrânia acabou de utilizar os primeiros mísseis de cruzeiro Storm Shadow para atingir infraestruturas militares na cidade ocupada de Luhansk. Estamos a assistir a actividade de forças irregulares e de forças de operações especiais no eixo norte de Luhansk – Svatove e Starobilsk –, na cidade de Luhansk, em Melitopol e na Crimeia.

A par destas operações, estamos a assistir, em Bakhmut, a um contra-ataque local, com ganhos relevantes nos flancos norte e sul da cidade. Este sucesso reafirma a clareza e pertinência da estratégia do comando ucraniano de defender a cidade.

Por tudo isto, muito se tem escrito e especulado sobre quais os objectivos territoriais que a Ucrânia pretende reconquistar e por onde se vão inicia a contra-ofensiva. Eu considero que a Crimeia e o corredor terrestre que a liga à Rússia são fulcrais, mas...

E se o objectivo da Ucrânia não for, no imediato, territorial? E se o objectivo for o inimigo e a sua percepção do colapso?

O que me levou a ponderar estas questões foi o pânico que se instalou nas forças e na esfera da informação russa no esteio do contra-ataque nos flancos de Bakhmut. Ganhos Russos de meses foram totalmente retomados em menos de uma semana, sem que a Ucrânia tivesse empenhado nenhuma das brigadas constituídas para a ofensiva. As recriminações sucedem-se entre Yevgeny Prigozhin, líder do Grupo Wagner, e o Ministério da Defesa russo. Uma parte política, outra parte operação de informação, outra o futuro dos blocos de poder na Rússia pós-guerra e umas raspas de verdade. O cocktail Bakhmut rapidamente gerou pânico e uma retirada russa.

Estas observações da estratégia da Ucrânia fizeram-me colocar uma questão importante sobre os efeitos pretendidos: e se o objectivo for simplesmente o caos e o colapso?

Sinceramente, depois do que temos visto, uma série de operações de maior escala, sincronizadas, em diversos pontos chave do teatro de operações, podem muito bem gerar um sentido de colapso. Sobretudo num exército em que o Comando e Controlo (C2) é frágil, mas centralizado, e a logística obrigatoriamente dispersa, pois o inimigo (a Ucrânia) possui clara superioridade de informação, aquisição e integração de fogos, quer ao nível local, quer na profundidade.

O que acontece às linhas russas se um ou mais elementos de manobra de maior escalão da Ucrânia penetram as linhas e exploram a profundidade em uma ou mais direcções? Se Kharkiv, e agora Bakhmut, nos servem de referência, atrevo-me a dizer: o caos. E saliento que os elementos de manobra que a Ucrânia vai utilizar não são os de Kharkiv, nem nada que se pareça.

Todas estas considerações fizeram-me pensar no que a 7.ª Divisão Panzer, comandada por Erwin Rommel, fez durante a Blitzkrieg, na Segunda Guerra Mundial, e que lhe deu o cognome de Divisão Fantasma. O choque e o efeito psicológico de explorar o movimento e a profundidade foram tais que semearam o pânico no comando e forças francesas. Curiosamente, o exército russo já se mostrou susceptível a este tipo de efeitos. Atrevo-me, por isso, a dizer que, antes de ganhos territoriais, poderá acontecer que a Ucrânia procure semear o caos no inimigo. Só então se reconquistará o território.