Opinião

NRP Mondego: a árvore e a floresta

André Pardal


Quase seis anos volvidos sobre o vergonhoso “incidente de Tancos”, que colocou a nu as enormes vulnerabilidades do ramo terrestre das Forças Armadas, eis que, em pleno maior conflito armado na Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial e, curiosamente, no mesmo dia 11 de Março que marcou o início do “Verão Quente de 75”, a Marinha Portuguesa falha (não há outra forma de o dizer) uma missão fundamental de soberania – o acompanhamento de um navio russo ao largo do arquipélago da Madeira – por recusa de parte da guarnição em embarcar.

Em reacção a este gravíssimo incidente diplomático, disciplinar e político, como habitualmente – e salvo raras excepções – discute-se a árvore, e não a floresta.

Se da extrema-esquerda, que nega a invasão russa, historicamente defensora da anarquia, da desordem e da irresponsabilidade, a “solidariedade” – individual ou via “eternos” representantes de classe – não surpreende, já dos restantes, novos ou velhos representantes de algo, seja por mera táctica eleitoral, sentimento antimilitar primário ou mero desconhecimento do funcionamento das instituições, outra perspicácia e sentido de Estado se esperava.

A mim, como cidadão português, mais do que o incumprimento da missão de soberania nacional ou a própria “desobediência”, o que mais me comoveu foi a chegada “apoteótica” e com “direito” a hino nacional – em pleno aeroporto – dos militares em causa.

Um Estado que permite que o principal alicerce da sua soberania – aquele que lhe deu e assegura a independência nacional – vacile não se dá ao respeito e não merece o respeito de nenhum outro.

E porque será que, perante a gravidade de tal situação, os principais responsáveis do Estado – por esta ordem: comandante supremo, Governo e (recentemente reforçado nas suas competências) chefe de Estado-Maior-General das Foças Armadas – deixaram isolado na “ponte de comando” o almirante CEMA, o único que – obviamente, sujeito a críticas – exerceu a nobre e difícil arte de comandar?

Que contraste – curioso – quando, no rescaldo de Tancos, com direito a reunião das quatro chefias militares em São Bento, o (à data) CEMGFA se augurou em porta-voz e descodificador da situação para os portugueses, e o sempre presente Presidente da República, num ápice, acompanhou in loco a situação.

Contudo, o que verdadeiramente deveria estar a ser discutido e a preocupar os portugueses – a floresta – são as causas e motivações do incidente.

O gritante – com a complacência de todos os governos, sem excepção – desinvestimento político, financeiro, logístico, e na maior riqueza de todas as organizações, humano que levou as Forças Armadas ao actual estado de verdadeira indigência, para mais com uma guerra “à porta”.

Onde estão o esforço nacional e a solidariedade para com o povo ucraniano, pelos quais muitos rasgaram as vestes?

Onde está a prioridade do mar, tantas e tantas vezes apregoada por decisores públicos nacionais em roteiros, academias ou megalómanas conferências internacionais?

Onde estão as lições aprendidas com o falhanço de Tancos e o crescente descontentamento nas fileiras?

Onde se encontra a preocupação social – sociológica até, para que metade do actual Governo perceba – quando se faz com que jovens, homens e mulheres, em contrapartida de pouco mais que o salário mínimo nacional, despendam dias e dias (mais de 500 seguidos em estado de prontidão, como era o caso desta guarnição) no mar?

Quem, nestas condições, pretende servir Portugal no mar, em terra ou no ar, correndo o risco de “sacrifício da própria vida”?

Já dizia Napoleão: “Um exército marcha sobre o seu estômago!”

A história nacional (e mundial) encontra-se repleta de maus exemplos no que ao desinvestimento na defesa e segurança nacional dizem respeito, com os resultados desastrosos que bem se conhecem.

Nada do que agora sucede é inédito, e os verdadeiros responsáveis – actuais e anteriores decisores políticos e militares – deverão ter a plena consciência de que as Forças Armadas, neste estado, navegam, andam e voam sobre um autêntico barril de pólvora prestes a explodir. O país deverá arrepiar caminho – como um todo – antes que seja tarde.