Opinião

Morabeza, se faz favor

Nilza Rodrigues


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Estive no Mindelo. A cidade capital da ilha de São Vicente. Na terra onde se respira cultura. Onde os festivais pululam ao longo do ano. Onde a arte, a música, a escultura, a dança e a literatura têm um espaço imensurável, tão grande quanto Cesária Évora que aqui nasceu, cresceu e aqui deixa sodade.

Estive no Mindelo. Antes da grande festa do Carnaval e, rua acima e abaixo, conheci a ilha real, sem o glamour da grande festividade, sem os batuques, sem o palco. Vi, sim, um outro brilho.

O Manuel, 55 anos, há 4 numa cadeira de rodas. No meio de um estaleiro, pinta sentado no chão as diversas máscaras, com a perfeição e o detalhe de um mestre. Entre sorrisos tímidos lá me vai contado a sua história sob um sol quente, um chão pobre e uma amálgama de instrumentos improvisados.

Steve, 29 anos, estudou pouco, mudou de ilha para fazer o serviço militar e vive de biscates. Habilmente fantasia cadeiras improvisadas com cartão e esferovite e apesar de já ter feito 100, faltam-lhe ainda 400. A dois dias do Carnaval, não estremece. Sabe que tem de fazer e que terá pronto no dia D, sorri e continua a manusear aquilo que aprendeu sozinho.

A Aida, 85 anos, é a mais antiga costureira da ilha. E é ela que ainda manda. “A chefa”, como lhe chamam as filhas que continuam a tradição, vive num cubículo onde cabe toda a sua família e a máquina de costura que ainda trabalha. Deixou-se fotografar, mostrou as fantasias e falou pouco, mas o suficiente para me dizer que se eu quiser, me faz um vestido de hoje para amanhã.

E há o Alex que se calhar gostava de ser futebolista. Mas como a vida não lhe deu tempo para pensar muito, tornou-se um motorista exímio. O carro avariou, mas não se ficou. Também ele se reinventou neste Carnaval, a colar brilhantes em vestidos que prometem fazer sambar. Não tem maquetes nem figurinos para copiar. Faz ao sabor do bom -gosto, tapando as costuras e cantarolando.

Estive no Mindelo, vi isto e para lá disto. Vi que este povo vive nobremente com o que tem. Fazer um Carnaval em casas transformadas em ateliers, estaleiros que viraram centros de fabrico e gente de todas as idades e deficiências é, sem dúvida, o pico da resiliência e da criatividade. A ilha da Liberdade como lhe chama Germano Almeida, o cabo-verdiano que já foi Prémio Camões.

Estive no Mindelo e vi um Carnaval que não deixa nada a desejar ao brasileiro. Milagrosamente os fatos estavam prontos, os carros alegóricos percorreram a cidade, o som estava a bombar e a alegria dos mindelenses era contagiante para os milhares de turistas que fazem maravilhas à economia local.

E para quem não sabe, morabeza é um regionalismo de Cabo Verde, oriundo do crioulo que significa amabilidade. O segredo só pode ser esse. E isto é África, meus senhores.