Opinião

Melhor Protecção Civil ou mais tachos?

Fernando Figueiredo


A fazer fé no que consta da proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), entregue na segunda-feira no Parlamento, o Governo quer concluir no próximo ano a nova lei orgânica da Protecção Civil e pôr fim aos comandos distritais de operações e socorro (CDOS) através da criação dos comandos sub-regionais de emergência e protecção civil.

Lê-se ainda naquele documento que “será consolidada a eficiência e capacidade da resposta operacional, prosseguindo-se na implementação da nova estrutura orgânica e dos comandos sub-regionais de emergência e protecção civil da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC)”.

Se bem se recordam, a nova lei orgânica da ANEPC entrou em vigor em Abril de 2019, tendo ficado decidido que a nova estrutura regional e sub-regional entrava em funcionamento de forma faseada. Os comandos regionais já foram nomeados, faltando a criação dos 23 comandos sub-regionais de emergência e protecção civil, em vez dos actuais CDOS, e esta proposta do OE2022 explicita que vão ser criadas seis estruturas da ANEPC, designadamente dois comandos regionais e quatro comandos sub-regionais.

Importa lembrar ainda que, no que toca a Viseu, a câmara municipal e a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil assinaram, a 29 de Julho deste ano, um acordo que prevê instalar no aeródromo municipal um novo edifício e três hangares destinados às novas valências de socorro e protecção civil, designadamente o comando nacional de emergência e protecção civil alternativo, um centro de meios aéreos, um comando regional e um comando sub-regional de emergência e protecção civil, além dos referidos hangares. Parece-vos muita oferta e, mais ainda, muita confusão organizacional? O tempo o dirá!

Analisemos então, em primeiro lugar, o que este processo representa para a organização administrativa do território nacional. A extinção dos governos civis e a lógica da divisão do território europeu assente nas regiões NUTS II e NUTS III (usada como referência para a distribuição de fundos estruturais), e as respectivas Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional (CCDR) e as Comunidades Intermunicipais (CIM), vieram condenar o modelo assente na divisão distrital. Nesse sentido, o Governo está a usar a Protecção Civil como ponta de lança na reforma orgânica que será necessário realizar para adaptar as instituições públicas ao novo modelo funcional. Daqui decorrem dois problemas:

i. o funcionamento do próprio sistema nacional de protecção civil;

ii. o que esta transformação implica para a máquina do Estado.

O primeiro problema é de ordem mais prática pois, com esta alteração, a Protecção Civil passa a estar organizada em regiões (correspondentes às NUTS II) e em sub-regiões (NUTS III). O que quer isso dizer? Passamos de cinco comandos de agrupamentos distritais mais 18 comandos distritais para cinco comandos regionais mais 23 comandos sub-regionais. Além do aumento de estruturas e cargos para preencher, o problema que se coloca, salvo melhor leitura, é na articulação e coordenação com as restantes entidades com responsabilidade de assegurar e apoiar as operações de protecção civil – GNR, PSP, Segurança Social, entidades da saúde, etc. –, pois estas ainda estão organizadas na lógica distrital.

Vejamos um exemplo prático que não Viseu, para fugir ao registo de interesses: o novo Comando Sub-Regional da Protecção Civil de Leiria terá de se articular com o Comando Distrital da GNR de Leiria para operações no concelho da Nazaré e com o Comando Distrital da GNR de Lisboa para operações no concelho de Torres Vedras. Sempre que houver uma reunião com as entidades, irão ter de participar representantes destes dois comandos.

Além dos comandos regionais, também ainda não é claro como ficam outros órgãos do escalão distrital da Protecção Civil: Comissão Distrital de Protecção Civil e os Centros de Coordenação Operacional Distrital. Passam também para a lógica regional? Essa alteração implicaria uma alteração à Lei de Bases da Protecção Civil, algo de que se fala, mas ainda não foi tornado público.

Com este processo, é evidente que o Governo irá tentar forçar a transformação das restantes entidades para a lógica regional. Terá de acontecer o mesmo na GNR, na PSP, na Segurança Social, etc., etc.

E, aqui chegados, vamos ao pragmatismo da decisão e constatar, sem demagogias nem partidarismos, que o que este exemplo nos mostra é que vamos ver o Estado a engordar ainda mais, pois a simples passagem de 18 distritos para 23 sub-regiões irá implicar criar muitas estruturas intermédias... Agora multipliquem isso por todas as instituições públicas ligadas à administração central, em todos os sectores.

Resta-me ainda a esperança de que, estando no vértice superior da pirâmide um distinto e competentíssimo oficial general do Exército, pelo qual tenho muita estima e consideração, nada disto aconteça na dimensão do pessimismo desta minha leitura política, feita na diagonal. No final, até poderá estar subjacente uma rentabilização de meios, um melhor aproveitamento de recursos e, quiçá, até uma nova forma de estruturar a Protecção Civil, vocacionando-a mais para o enfoque primário na prevenção, ao invés da constante e cara aposta na resposta à emergência.

Quero acreditar nisso e, em suma, fugir à regra do que a Iniciativa Liberal tem condenado politicamente no país: a noção de que o Governo PS arranjou aqui uma narrativa para defender uma uniformização da organização administrativa do território com o modelo regional desenhado pela Europa e, nessa perspectiva, poderia ter alguns benefícios teóricos, mas que, na prática, não será mais do que mais um festival do tacho socialista e da constante engorda da máquina do Estado. Quem paga o regabofe, já todos sabem! Oxalá me engane!