Regressado do estrangeiro, não poderia deixar de dedicar o presente artigo de opinião à qualificação da nossa selecção feminina sénior para a fase final do Campeonato do Mundo FIFA 2023, ainda que, entretanto, já tenham decorrido mais de três semanas após tal feito histórico. É caso para dizer que mais vale tarde do que nunca, ou melhor, que existem vitórias verdadeiramente intemporais!
Confrontados com tamanho sucesso desportivo e tudo o que de positivo ele encerra a nível social, há, todavia, quem ainda teime em classificar a aposta no futebol feminino de manobra política influenciada por uma certa dose de ideologia de género e “modernices” da actualidade. Chega, pois, a ser verdadeiramente preocupante, senão deprimente, constatar a quantidade de cépticos enferrujados, mergulhados em águas densas de um anacronismo quase patológico que os impede de perceber e apoiar a mais que louvável evolução da modalidade.
Com efeito, tal qualificação histórica para o Mundial da Austrália e da Nova Zelândia constitui uma clara consagração da aposta séria e cabal que vem sendo feita não só pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF), mas também pelos clubes portugueses, os quais a têm assumido de forma quase generalizada. Basta olharmos para o número de atletas federadas há uma década - aproximadamente 6 mil - comparativamente com as mais de 13 mil atletas actualmente federadas nas modalidades de futebol e futsal - um crescimento galopante que permitiu desenvolver as bases fundacionais indispensáveis para a criação de quadros desportivos mais sólidos e, consequentemente, contribuir para o sucesso da nossa selecção, a qual, relembro, já atingiu a fase final do campeonato da Europa em 2017 e em 2022.
Mas não só o número de atletas federadas aumentou como também nas bancadas (e fora delas), o próprio adepto se tem revelado cada vez mais presente - presença essa cada vez mais visível, como se atesta pelos recordes de assistências consecutivamente batidos e para os quais muito tem contribuído o valoroso trabalho desenvolvido pelo Canal 11.
Prova de que muito se tem feito em prol da modalidade é o contributo muito positivo do Grupo de Trabalho para a Igualdade de Género na proposta apresentada ao Governo, atinente a uma maior equidade e profissionalização da actividade. Igual louvor merece o Sindicato de Jogadores, o qual tem destacado a elevada importância da regulamentação da actividade profissional de jogadora de futebol, tendo para o efeito apresentado uma proposta de acordo colectivo de trabalho - um passo vital na diminuição do actual fosso relativamente ao futebol masculino -, que aportará uma mais justa e abrangente regulação à ainda (bastante) precária relação laboral entre jogadoras e clubes.
Enfim, julgo ser consensual que, não obstante a longa caminhada que ainda resta percorrer no desenvolvimento do futebol feminino, a recente qualificação para o Mundial 2023 deve ser merecedora do orgulho de todos nós, assim reiterando as palavras do dr. Fernando Gomes, presidente da FPF: “Hoje, em Portugal, ninguém dirá que o futebol é um desporto de rapazes ou de homens.”
Oxalá este paradigma se consolide ainda mais, a bem do futebol, do desporto e da sociedade.