Opinião

Lítio, uma oportunidade, sim! Uma galambice, não!

Fernando Figueiredo


O anúncio, por parte do governo do Partido Socialista, do início da consulta pública do relatório ambiental de prospecção de lítio em oito zonas do país, sendo Viseu uma dessas zonas, dois dias depois das eleições, é surpreendente na forma e no timing escolhidos!

Num momento delicado em que a maior parte dos autarcas locais estão de saída ou em vias de tomar posse, o momento escolhido pelo Governo para este debate é desastroso, gerador de um clima de desconfiança, abre espaço à especulação e deixa no ar a ideia de interesses ocultos, o que, por si só, inquina desde logo qualquer discussão séria que deve existir sobre este importante assunto.

Ainda que cientes de que a prospecção faz sentido porque temos de saber o potencial do país e de cada concelho, e de que a exploração do “petróleo branco”, com muitas regras e limitações, pode trazer uma recompensa real para as populações, não podemos ignorar os argumentos contra, que apontam uma possível contaminação de rios e águas subterrâneas e que as operações de extracção podem deixar no ar poeiras nocivas à saúde – razão pela qual, sendo o lítio visto com uma das tecnologias para o combate às alterações climáticas e para uma melhoria na eficiência energética, é uma aparente inconsistência que a sua prospecção e exploração estejam associadas a práticas ambientais pouco desejáveis, pelo que se deve defender um debate público sério e esclarecedor.

É uma discussão em que todos, dos mais anónimos às instituições públicas e da sociedade civil, devem participar e a que nenhum partido deve ficar alheio.

Da parte da Iniciativa Liberal, além do debate interno que já estamos a promover, foi conseguido, com a crítica e pressão colocada, o alargamento do prazo em mais um mês para que essa discussão se faça em condições. Iremos também, localmente, reunir especialistas de modo a podermos analisar as premissas do relatório de avaliação ambiental, mantendo o foco no valor intrínseco da biodiversidade, recursos naturais e culturais da nossa região, sem deixar de ponderar o interesse económico, privado e público do lítio numa avaliação que em tempo tornaremos pública. O relatório tem quase 300 páginas, vários anexos e uma linguagem técnica que carece de trabalho especializado para ser comentado.

A consulta pública do relatório da Direcção-Geral de Energia e Geologia estende-se agora até 10 de Dezembro mas, ainda assim, é um prazo manifestamente insuficiente, tendo em conta que a maior parte das tomadas de posse acontecerão a meio e em finais deste mês. O facto de ter sido alargado o prazo não diminui as questões levantadas nem a importância que o relatório deve merecer. Acresce até a essas preocupações a questão da legalidade da decisão ministerial, porquanto o relatório foi posto à consulta pública sem que tenham sido consultadas as câmaras municipais, em clara violação do disposto no art.º n.º 7 do decreto-lei n.º 232/2007 de 7 de Junho, sendo mesmo referido no relatório que já se encontra em vigor o decreto-lei n.º 30/2021 de 7 de Maio, que procede à regulamentação da lei n.º 54/2015 de 22 de Junho no que respeita aos depósitos minerais, o que é falso na medida em que foi requerida a sua apreciação parlamentar que, até à data, não foi agendada.

É bom lembrar que esta questão do lítio, que o Governo tem apresentado como bandeira estratégica, tem levantado diversas suspeitas. Por exemplo, em 2019, a propósito da concessão em Montalegre, o programa de jornalismo de investigação “Sexta às 9” revelou suspeitas de irregularidades graves ignoradas pelo ministro Matos Fernandes e o secretário de Estado João Galamba, também suspeitos de terem criado condições para favorecer as grandes empresas de energia do país na construção de uma central de hidrogénio verde em Sines, que vai contar com ajudas putativamente ilimitadas do Estado.

Portanto, este novo projecto agora trazido ao debate carece de melhor discussão, de acompanhamento rigoroso por parte das entidades envolvidas, de muita atenção e participação por parte dos cidadãos, para que não só não se repitam estas constantes suspeitas a que os governantes socialistas, infortunadamente, já nos habituaram como não se repita o modelo de gestão em que, no final, os contribuintes acabam sempre a pagar os erros de más e ruinosas decisões políticas. É tempo de novas fontes de energia, sim, mas também de novas políticas!