Ao longo do tempo assistimos a um progressivo afastamento dos cidadãos da política e da participação democrática. Além da crescente abstenção eleitoral, a cidadania foi dando sinais de enfraquecimento e de desistência. De uma forma geral, os partidos tradicionais acomodaram-se a uma alternância política no exercício do poder, repartindo tempo e responsabilidades. A democracia funcionou do ponto de vista formal, ainda que com evidentes sinais de perda de vitalidade. Por diversas vezes se discutiu a necessidade de pactos ou de reformas estruturais de perímetro político alargado. A justiça foi um dos exemplos de convergência em diferentes momentos. Um Estado democrático justo tem como imperativo ético a redução das desigualdades e a melhoria das condições de vida de cada um dos seus cidadãos. Este desiderato jamais será alcançado sem uma justiça rápida, competente e eficiente que a todos trate por igual e a todos assegure a realização dos direitos e o cumprimento dos deveres e obrigações. Tem sido no domínio da justiça que os problemas se têm avolumado, justa ou injustamente, pela percepção criada de reduzida eficácia em múltiplos casos em que a sua intervenção incide sobre agentes ou titulares de outros poderes, sejam eles de natureza política ou económica.
O sistema democrático depende do regular funcionamento das instituições, do seu equilíbrio e do respeito absoluto pelo princípio constitucional da separação de poderes. A observância criteriosa destes limites reforça a imprescindível autonomia do sistema de justiça, ao mesmo tempo que robustece a credibilidade do sistema político. A gestão política negligente das falhas, neste âmbito, é tão perigosa como a inadequada instrumentalização dos domínios e competências da justiça por um qualquer tipo de impulso demagógico ou populista. Não se trata apenas de enunciar o bom princípio de “à justiça o que é da justiça, à política o que é da política”, mas também, e sobretudo, de contribuir para que o debate e a acção política valorizem o prestígio das instituições.
A sistemática relativização de ocorrências políticas, com incidência ética ou judicial, abre caminho para a “normalização” do anormal, desgasta o quadro de valores de referência e contribui para diminuir o valor reconhecido dos diferentes órgãos de soberania e, consequentemente, o seu inalienável prestígio. A continuidade desta prática desgradua o debate e compromete o funcionamento da democracia. O compromisso cívico e político a favor de um sistema de justiça prestigiado e eficaz representa um dos pilares essenciais na construção de uma democracia sólida. A melhor forma de reduzir as desigualdades, de atenuar as diferenças e os desequilíbrios sociais passa pelo reconhecimento do papel das suas instituições na coesão social e na confiança dos cidadãos. A defesa do Estado de direito democrático constitui o dever primordial dos poderes eleitos. Apenas cumprindo esse objectivo se defenderão a liberdade e os direitos de cada um dos cidadãos.