A ausência de avaliação independente de políticas tem levado a que, entre nós, se tenham gerado profundos equívocos relativamente a medidas tomadas, em certo tempo, e às consequências por elas geradas. No sector da saúde são múltiplos os exemplos. Vem isto a propósito da ideia sugerida de encerramento de serviços no interior do país. Trata-se de matéria muito sensível que exige ponderação e, acima de tudo, seriedade política. A reforma do SNS deve estar centrada nos indispensáveis ganhos de eficiência sem, contudo, alienar o seu dever constitucional de cobertura geral e de equidade. A disponibilização de cuidados de saúde no interior do país tem de ser vista como um instrumento de coesão social e de desenvolvimento. No limite, se fossem aplicados apenas critérios de eficiência económica, a grande maioria dos serviços teriam de ser encerrados. É por isso que a reforma do SNS não pode ser feita a “régua e esquadro”, promovendo o abandono do território e das populações. O encerramento feito, há mais de uma década, de serviços de proximidade apenas contribuiu para o agravamento das respostas hospitalares e, ao mesmo tempo, para a substituição das respostas públicas por respostas privadas, com o consequente acréscimo de encargos dos cidadãos. Neste tipo de abordagem detectam-se profundas incoerências, sem conteúdo estratégico, que prejudicam o modelo universal de respostas e intensificam a fragmentação dos serviços e o agravamento das condições de acesso aos cuidados de saúde.
O recuo sistemático do SNS, sem base técnica nem critério social, acaba por se transformar numa mera ilusão reformista que apenas contribui para agravar as desigualdades, em particular, o aumento da despesa directa das famílias, a qual, a par do consumo inadequado de urgências hospitalares, coloca Portugal numa posição de desconfortável liderança. Não existindo uma estratégia nacional de colaboração entre sectores, é pouco responsável, perante qualquer dificuldade, desistir de encontrar novas fórmulas de organização das equipas e dos serviços que assegurem a respectiva continuidade. Se existisse uma prática sistemática de avaliação de políticas seriam clarificados alguns mitos que persistem em contaminar o processo de análise e desenvolvimento do sistema de saúde. No momento decisivo que o SNS vive será importante que os desafios que temos pela frente sejam vencidos com acção estrutural, de médio prazo, sem comprometer a natureza do serviço a prestar, o fundamento da sua missão e o papel social que desempenha em todas as partes do país.
As dificuldades de transformação do sistema de saúde são muitas, de enorme complexidade e de difícil resolução. Por essa razão, mais do que hiperactividade legislativa ou a proliferação de medidas conjunturais, importará concentrar foco e energia nas medidas essenciais com efeitos duradouros e sustentáveis. Para tal há que rever os erros cometidos no passado para os remediar e, sobretudo, para não repetir impulsos que mais não são do que uma simples ilusão reformista.