Opinião

Habitação, uma visão lógica – Parte 4

Carlos Guimarães Pinto


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Nos próximos anos, o Estado prevê o crescimento do parque de habitação pública em 30 mil a 40 mil casas. Essa tem sido a grande bandeira do PS, e da esquerda em geral, para a resolução dos problemas da habitação. Esta aposta corresponderá a um investimento avultado: a ser totalmente cumprida, poderá custar cerca de 5 mil milhões de euros aos cofres públicos. Mas poderá isto resolver o nosso problema de habitação? Dificilmente. Este valor corresponde a menos de 1% dos agregados familiares do país. Na medida em que os problemas de habitação afectam uma parte da população muito maior, dificilmente este investimento resolverá esse problema.

Mas percebe-se melhor a dimensão do problema quando olhamos para o défice de construção de habitações na última década em Portugal. Olhando para os últimos quatro censos, podemos perceber exactamente o buraco da construção de habitações que temos. Nos censos de 1991 identificou-se um acrescento de 758 mil casas em relação a dez anos antes; em 2001, mais 861 mil casas; e, em 2011, mais 824 mil. Em média, nestas três décadas de democracia, adicionaram-se cerca de 800 mil casas a cada dez anos. Os censos de 2021 apresentam um cenário muito diferente. Nesses dez anos terminados em 2021 apenas se adicionaram 103 mil casas - um défice de 700 mil. Não é muito difícil imaginar quão diferente a situação da habitação seria em Portugal se tivéssemos mais 700 mil casas. Haveria mais jovens a poder sair de casa dos pais, mais famílias que poderiam ter crescido, mais imigrantes a viver em condições decentes... Mais 700 mil casas no mercado não significaria apenas maior disponibilidade de casas, mas também preços mais baixos para aquelas que existem.

A subida do preço das habitações foi algo transversal na União Europeia entre 2010 e 2021. Em quase todos os países da UE, os preços aumentaram, mas houve três excepções: Itália, Espanha e Chipre. Estas três excepções são importantes para analisarmos o caso português porque são países com um mercado imobiliário sujeito às mesmas pressões pelo lado da procura que normalmente são apontadas em Portugal: turismo, nómadas digitais, vistos gold, destino de reformados do norte da Europa, etc. Apesar de serem países com um perfil muito semelhante ao português, nestes países, os preços não aumentaram entre 2010 e 2021. A grande diferença entre esses países e Portugal é que neles se investiu mais na construção de habitação. Nesse período, em Itália investiu-se 4,3% do PIB em construção de habitação; em Espanha, 4,8%; e, em Chipre, 5,6%. Já em Portugal, o investimento foi de apenas 2,9%. Em todos os casos falamos, na esmagadora maioria, em investimento privado.

Sem construção não resolveremos o problema da habitação. Sem facilitar licenciamentos, sem reduzir os custos de construir (incluindo fiscais), continuaremos a debater como dividir o stock de habitação que existe em vez de criarmos soluções efectivas para o problema.