Nos dois artigos anteriores concluímos que a única forma de alargar a possibilidade de viver numa cidade a mais pessoas seria aumentar o parque habitacional e que esse aumento dificilmente poderia ser feito recorrendo aos devolutos privados.
Esse alargamento da possibilidade de viver numa cidade terá, então, de ser feito com nova construção. A nova construção poderá ser promovida, em teoria, por entidades públicas ou privadas. Neste texto focar-me-ei na promoção por entidades públicas.
A promoção de construção de habitação por entidades públicas justifica-se mais facilmente quando o objectivo é o alojamento de grupos específicos (estudantes e alguns funcionários públicos) obrigados a estabelecer-se em determinadas localizações por factores externos ao seu controlo, nomeadamente a concentração de serviços públicos (universidades, hospitais, defesa nacional) em certos locais.
A habitação para pessoas em situações de carência enquadra-se nas funções sociais do Estado e, seja qual for o formato, é algo que a maioria das pessoas aceitam que tem de existir. O programa de realojamento que acabou com as barracas em muitos concelhos do país foi um bom exemplo disso. Esse realojamento pode ser feito de formas diferentes, misturando as pessoas realojadas em edifícios comuns (tendo a vantagem de não criar guetos) ou criando edifícios especificamente para esse propósito (tendo a vantagem de manter relações de vizinhança anteriores que, em muitos casos, são fundamentais na vida das pessoas realojadas).
A dúvida aparece sempre mais quando se fala na habitação para as chamadas “classes médias”. A dúvida aparece porque o financiamento do Estado de habitações para a classe média, normalmente, faz-se à custa dos impostos pagos pela restante classe média. Enquanto garantir habitação para pessoas desalojadas ou a viver em situação precária com o dinheiro de pessoas com mais rendimentos pode parecer justo socialmente, usar o dinheiro de pessoas de classe média para um benefício a outras pessoas de classe média já pode introduzir um sentimento de injustiça. Esse sentimento de injustiça aparece, primeiramente, porque nenhum programa de promoção público irá servir toda a classe média, pelo que teremos sempre uma pequena parte da classe média a ganhar e uma parte (muito maior) a financiar.
Esse sentimento de injustiça será maior quando esse financiamento acontecer antes de todas as pessoas em situação precária terem acesso à sua habitação digna. Faz mesmo sentido investir em casas de 400 mil euros em Lisboa enquanto, em Almada, ainda moram pessoas em barracas? Podendo o Estado construir casas que valem 400 mil ou 500 mil euros no centro de Lisboa, não seria socialmente mais benéfico vendê-las para obter o dobro das casas a metade do preço noutras zonas do país? O objectivo de uma política pública de habitação deve ser povoar Lisboa ou atribuir habitação condigna ao maior número possível de pessoas?