Opinião

Há quem goste de ser picado

Nilza Rodrigues


Esta semana, São Tomé e Príncipe (STP) inaugurou o seu primeiro Laboratório de Biologia Molecular, sob o alto patrocínio da Universidade da Califórnia e com o intuito de pesquisar os tais mosquitos que transmitem a tal malária. Curiosamente, na mesma semana, a Zzapp Malaria, organização internacional que tem a sua estrutura central baseada em Israel, viu suspensos os seus trabalhos no país, comprometendo aquela que é a meta assumida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de eliminar o paludismo até 2025 em STP.

Faltam dois anos. Ou três, se atendermos ao final de 2025. Depois de, nas últimas duas décadas, São Tomé e Príncipe ter conseguido reduzir a incidência da malária, a situação inverteu-se nos últimos três anos e o número tem vindo a crescer: 1.944, 2.730 e 3.999, respectivamente para os anos de 2020, 2021 e 2022. O alarme tocou. Matshidiso Moeti, a directora da OMS para África, já lançou o repto: “Estamos a trabalhar com os países para identificar as razões da estagnação dos progressos, para podermos regressar ao bom caminho, mas é preciso deixar de ver a malária apenas como um problema de saúde e passar a encarar a doença como uma ameaça ao desenvolvimento socioeconómico.”

É preciso, de facto, querer. Os fundos existem e estão alocados para a pesquisa e o combate. Mas algo no processo não está bem. A Zzapp Malaria, que visa eliminar o paludismo através de inteligência artificial, liderou um projecto-piloto nos distritos de Água Grande, Mé-Zochi e Lobala e reduziu o número de mosquitos para metade, e em 53% as hipóteses de infecção por paludismo. A decisão superior do CNE - Centro Nacional de Endemias de não estender a operação para o resto do país pode ter, terá certamente, um motivo, mas não o partilhou. A Zzapp alega em comunicado, e passo a citar: “Esta decisão foi tomada para permitir um estudo sobre o paludismo, financiado pela Universidade da Califórnia, a decorrer na ilha, com o objectivo de libertar mosquitos geneticamente modificados em algum momento no futuro. Tal estudo requer a existência contínua de mosquitos portadores do paludismo e do parasita da doença em São Tomé e Príncipe. Lamentavelmente, a Zzapp Malaria não podia aceitar reservatórios de mosquitos transmissores de doenças vivendo próximos das pessoas.”

A verdade dos factos, a comunidade tem direito a ela, até porque sofre na pele com este mal. São Tomé e Príncipe foi um dos oito novos países identificados pela OMS como tendo potencial para eliminar a malária, juntando-se a Cabo Verde e Timor-Leste, em 2020. A pandemia não ajudou, é verdade. Mas também não ajuda o facto de não se trabalhar em equipa, de se estar sempre a clicar no botão de restart, um passo para a frente e dois para trás - e sobretudo a falta de partilha de informação, do caminho que se toma, das razões que levam a tomadas de decisão e do destino dos fundos. Chama-se democracia. A Universidade da Califórnia já avançou com um milhão de euros e prepara-se para duplicar o investimento. O projecto da Zzapp Malaria para todo o país atingia os 1,6 milhões de dólares, financiados na totalidade pela própria instituição. Estaremos em condições de desperdiçar energia, dinheiro e know-how? Só se houver um interesse maior, quiçá masoquista, que justifique ser picado por um mosquito. Você decide.