Opinião

Estar atento

Teresa Rebelo Pinto


É fácil assumir que toda a gente sabe do que fala. A retórica é uma arma poderosa, o dom da palavra pode tornar-se bastante convincente. Mas não há mal nenhum em assumir quando não se tem a certeza de algo, trata-se aliás de um ato de humildade que faz falta a muito boa gente.

Quando se trabalha em Saúde Mental, é comum ouvir os doentes diagnosticar-se com títulos mais ou menos pomposos. Chegam à consulta com muita certeza de ter esta ou aquela doença, síndrome ou outros chavões que vamos ouvindo por aí. Às vezes, trazem esse rótulo de outras consultas com profissionais de saúde, agarrando-se a isso de forma vazia e distante. Noutros casos, leram um livro que lhes passou um qualquer atestado inquestionável. Ou então simplesmente SABEM que são ansiosos, têm depressão ou são bipolares. Têm a certeza de ser borderline, já que preenchem todos os critérios numa checklist que viram na internet. Sofrem de insónia crónica porque sim e não porque o cão e o gato invadem a cama durante a noite, interrompendo sistematicamente o sono.

É importante estar atento à relação que as pessoas desenvolvem com estas etiquetas. Para os profissionais, elas são úteis na compreensão do funcionamento humano, ajudando a enquadrar cada patologia e respetivo tratamento. Para os doentes, parecem dar uma certa segurança, mas há o risco de não ir ao encontro do que as pessoas realmente sentem.

Um jovem confessou-me recentemente que arriscou dizer aos amigos que não sabia exatamente o significado de estar ansioso. Para grande espanto de todos, ali estava ele a expor a sua vulnerabilidade: não fazia ideia o que era a ansiedade, embora toda a gente falasse dela a torto e a direito. Aliás, já lhe tinham dito que andava sempre muito ansioso e não percebiam como é que se pode não saber o que isso é.

Pergunto-me se não será um tanto abusiva a forma como se usa o léxico mais técnico. Por exemplo, este jovem poderia ter amigos que, em vez de o carimbarem como “ansioso”, lhe perguntariam se estava tudo bem, pois notavam-no um pouco impaciente, inquieto e distante. Se assim fosse, teriam tido hipótese de perceber o que se passava naquele momento com o amigo: uma enorme dificuldade em conciliar a vida pessoal e profissional, um início de carreira demasiado puxado para o que o corpo aguenta e uma série de imprevistos para gerir.

Duvido que cada um destes amigos tenha plena consciência do funcionamento da ansiedade a nível fisiológico, emocional e relacional. Porventura nem saberão identificar os seus aspetos positivos nem que é uma emoção normal. Mas foram muito despachados a classificar o problema deste jovem.

Se é verdade que a ansiedade pode ser patológica, manifestando-se em várias frentes e de diferentes formas e feitios, também precisamos dela para sobreviver. No fundo, a ansiedade permite-nos antecipar perigos para que nos possamos proteger. Só é um problema se os níveis de tensão que a caracterizam trazem sofrimento associado ou comprometem o desempenho nas atividades do dia-a-dia. Aliás, todos temos açúcar no sangue e não é por isso que somos diabéticos.

Em resumo, esqueçam os rótulos e perguntem antes como podem ajudar, se é essa a verdadeira intenção. Estar atento é diferente de desconfiar. Por isso olhem uns para os outros, mas não assumam o que o outro sente, pensa ou quer.