Opinião

Déjà-vu socialista a sul do rio Tejo

Reconheço, e admito, que não existe outro como este PS para lançar obras futuras, maquetes e projectos de longo prazo. Tudo calculado sempre de forma cuidadosa em termos de comunicação coordenada, bem amplificado e em sintonia, naquela que é, sem dúvida, percepcionada como uma dinâmica “esbracejante”, em que as soluções para problemas estruturais surgem como se de um passe de mágica se tratasse.

É caso para dizer que, se existisse um compromisso com o futuro de Portugal, como existe com a agenda do futuro político do partido e do Governo, o país estaria neste momento a liderar a inovação e o crescimento económico na União Europeia, em vez de estar cada vez mais para trás quando comparado com os parceiros europeus e em estado de pré-falência operacional de serviços públicos como a saúde ou a educação, isto apenas para citar alguns dos mais óbvios exemplos.

Na Margem Sul, esta espécie de “deserto à beira-mar plantado” – como o apelidou o também socialista e saudoso ministro Mário Lino –, já nos vamos habituando, há muito tempo, à inconsequente narrativa dos sonhos socialistas, que muito promete, mas pouco entrega além da festa mediática dos anúncios. Foi assim já na campanha de 2009, com as promessas faraónicas do primeiro-ministro José Sócrates relativamente ao TGV e à terceira travessia; foi, depois, também com vários projectos locais, como o Hospital do Seixal, a Cidade do Cinema no Barreiro, ou os projectos imobiliários de elevada dimensão nos terrenos dos parques industriais a sul do rio Tejo – já na altura debaixo do chapéu do projecto Arco Ribeirinho Sul.

Mais recentemente, em 2017, o actual primeiro-ministro veio ao Barreiro reunir-se com autarcas do Barreiro, Almada e Seixal, numa viagem mediática (pois claro) dedicada a explorar o potencial do Arco Ribeirinho Sul. E, em 2019, numa também mediática visita do primeiro-ministro e do governo socialista, que percorreu Mafra até ao Barreiro em transportes públicos para anunciar um enorme investimento em dez novos navios para atravessar o Tejo. Os tais que vieram agora, mas sem baterias, recordam-se? Também em Fevereiro de 2019, o Governo inaugurou uma unidade depuradora de bivalves que, praticamente cinco anos depois, não existe além do papel.

Isto para não falar das restantes promessas dos executivos socialistas locais, que no Barreiro, por exemplo, incluíam uma roda gigante panorâmica (que seria uma espécie de London Eye a sul do Tejo), com parque temático de piscina de ondas, ou um pavilhão multiusos para fins culturais e desportivos. Aqui como a nível do Governo, não existe qualquer vestígio palpável destas intenções ou promessas.

Foi, portanto, com relativa sensação de déjà-vu que, esta semana, os habitantes do distrito de Setúbal tomaram nota de mais uma acção política do governo socialista no Barreiro, com marca emotiva de comunicação Governo + Próximo, e que vem com o anúncio de um caderno de encargos de investimento estrutural que promete um pacote de investimentos nunca visto na península de Setúbal, e com muito enfoque no Barreiro. Duas pontes e uma aposta cirúrgica no “potencial” do município do Barreiro. Ou seja, agora é que vai ser em grande... outra vez.

Obviamente que qualquer destas promessas é absolutamente necessária para mudar o destino do distrito de Setúbal e o paradigma de um município adiado como o Barreiro. Já o PSD o diz há muito tempo, e é um tema que não requer muito tempo para pensar. Aliás, grande parte dos problemas que existem nos dias de hoje com a habitação em Lisboa estão também ligados à falha na entrega de infra-estruturas-chave que diminuam a enorme distância em termos de tempo de deslocação para o emprego, apesar de, em termos de distância física, os municípios estarem tão próximos uns dos outros e tão próximos de Lisboa. A situação é mais grave ainda porque é mais fácil, por vezes, ir de qualquer concelho a sul do Tejo para Lisboa do que para o concelho vizinho.

O Arco Ribeirinho Sul é um conjunto de municípios que são uma espécie de “becos” com saída única para Lisboa. E isso tem impacto no valor da habitação, na captação de investidores estratégicos – dos que ficam 30 anos, e não apenas cinco anos, para o lucro rápido –, na estabilização de empregos e no acesso também ao ensino e ao desporto. A questão é que a Margem Sul não pode esperar mais 30 anos para ter acessibilidades, e é preciso que a propaganda política comece a dar lugar a iniciativa real e concreta.

Show me the money” é uma expressão que ficou famosa numa película de cinema em que Tom Cruise fazia de Jerry Maguire, um agente desportivo de jogadores de futebol americano, qual Jorge Mendes da década de 90, e que é como quem diz ver para crer. Enquanto esperam por mais uma espectacular – e desejável – transformação no distrito de Setúbal, as populações lá vão pensando com os seus botões sobre o quão fantástico isto tudo vai ser. E que, afinal, nunca houve intenções de fechar serviços hospitalares públicos no distrito, e maternidades no Barreiro, e que o investimento em mobilidade não vem a conta-gotas, e com barcos novos que vêm sem “pilhas”, ou que a habitação acessível na cidade começa com projectos de habitação de luxo, acima dos 300 mil euros, ou que projectos como a depuradora de bivalves estejam estacionados há anos, e que vivem no município mais inseguro e mais adiado da margem sul do Tejo.

O Partido Socialista, que curiosamente conseguiu a proeza de vir a sul do Tejo, ao Barreiro, para falar de infra-estruturas, e não dizer uma palavra que fosse sobre o novo aeroporto, seja no Montijo ou em Alcochete. Depois de Pedro Nuno Santos o ter dado como inevitável e ser repreendido publicamente por esse pecado, parece que este projecto ficou na gaveta do silêncio da narrativa política. Esperemos que não esteja a fazer o caminho de volta à gaveta onde tudo começou, a gaveta “jamais” do ex-ministro socialista Mário Lino, e à concepção de que, a sul do rio Tejo, fica apenas um deserto.