Os raides desta semana na região de Belogorod, na Rússia, por elementos do Corpo Voluntário Russo e da Legião Liberdade da Rússia, constituem um momento único deste conflito com quase ano e meio. De facto, forças de combatentes russos penetraram com facilidade e rapidamente a fronteira russa, em Belogorod, com forças de, pelo menos, escalão de companhia. Estas poucas centenas de elementos rapidamente tomaram algumas aldeias na região, a caminho da cidade de Grayvoron, e impuseram baixas às parcas forças russas na fronteira. A Ucrânia rapidamente se demarcou desta acção, dizendo que os grupos de “patriotas russos” agem por sua iniciativa e que seguiam a situação com interesse, mas que nada têm a ver com a mesma.
Ao fim de mais de 24 horas, depois de o Governador da região ter declarado uma operação contra-terrorista e de o Coronel-General Aleksandr Lapin, comandante das forças terrestres russas, ter enviado reforços para lidar com a situação, as forças retiraram.
O Kremlin viu-se a braços com a fragilidade do seu dispositivo militar, investido em grande parte na Ucrânia, e sofreu uma humilhação na esfera da guerra da informação e da guerra política. Russos a invadir a Rússia, no esteio da operação militar especial que devia durar umas semanas, diz tudo sobre a situação periclitante das forças armadas russas nas fronteiras e, agora também, do poder em Moscovo. As fracturas começam a ser evidentes, mas isso será para outra opinião.
O leitor estará nesta altura a pensar, e muito bem, que os ucranianos podem dizer o que entenderem, mas o treino e o equipamento não cresce nas árvores. Claro que não.
Esta é uma operação indirecta de guerra não convencional, conforme a doutrina das Forças de Operações Especiais (JP3-05, pág. 19). Ou seja, forças insurgentes russas treinadas, equipadas e coordenadas pelo HUR – Serviço de Inteligência Militar Ucraniano, dirigido por Kyrylo Budanov –, executaram uma operação que confere à Ucrânia um grau de negação plausível e se destina a produzir efeitos político-militares no inimigo.
Nada fere mais a imagem de um autocrata que a demonstração de fragilidade e impotência perante o seu próprio povo. Russos a trazerem o conflito à Rússia amplifica exponencialmente estes factores na percepção do próprio povo russo, por muito controlo de informação que o regime tenha. Estes grupos criam também uma nova variável no xadrez político interno russo, especialmente quando ameaçam claramente que voltarão para “libertar” a Rússia.
Por outro lado criam um dilema militar, pois a Rússia passou a ter de guardar as suas fronteiras, que têm sido esvaziadas de forças. Esta manobra de engano militar, na melhor tradição do “controlo reflexivo” russo, obriga a alocação de reservas que seriam relevantes para suster a contra-ofensiva Ucraniana.
Os grupos em questão têm ligações altamente duvidosas à extrema-direita russa? Sim, sem dúvida nenhuma. Causaram calafrios a alguns corredores do poder em Washington? Claramente, pois “fontes” tentaram, através do NY Times, colocar água fria nas operações do HUR. Este tipo de actores e operações cria alguns problemas políticos à Administração Biden. Crédito seja dado às chancelarias europeias, que não teceram nenhum comentário.
Pessoalmente, a minha avaliação é que o objectivo essencial é a vitória. Quanto aos grupos em questão, sou muito pragmático. Lutamos com os russos que temos e não com os que gostaríamos de ter. Nisto alinho com a Mossad, que um dia empregou Otto Skorzeny para destruir o programa nuclear do Egipto. Se não sabem quem foi Skorzeny, vão à procura, que vai valer a pena.... Esta foi uma operação notável do HUR, para repetir. Citando Budanov: “deeper and deeper”.