Há tempos tive a felicidade de jantar com Sérgio Sousa Pinto, José Adelino Maltez, Zita Seabra e Duran Clemente, este último o militar revolucionário que ficou famoso por lhe terem cortado a palavra em directo na RTP, em 25 de Novembro de 1975, momento esse que ficou associado simbolicamente ao fim do PREC.
O jantar seguiu-se a um debate sobre o 25 de Novembro em que, quase meio século depois, Zita Seabra e Duran Clemente continuavam a discordar sobre o que se passou naquele dia: Zita Seabra assegurava que o PCP preparava um golpe e que, acompanhada por um grupo de estudantes, esperava ordens para actuar, enquanto Duran Clemente dizia que não, nada disso, o PCP não preparava qualquer golpe, e entrava no detalhe de uma complicada história com um despacho para despedir 3 mil pára-quedistas e que espera um dia contar em livro.
Certo é que Duran Clemente me confirmou que muitos revolucionários da época, ele incluído, tinham defendido – e ele pensa ainda o mesmo – o adiamento por um ano das eleições de 25 de Abril de 1975, porque “o povo não estava preparado para votar”. “O adiamento seria ad aeternum”, ripostei, “porque o povo nunca estaria preparado” – pensando, sem o dizer, que esse era o argumento de todas as ditaduras para não haver eleições: a impreparação do povo. “Não, não, o objectivo era mesmo só adiá-las por um ano”, insistiu.
O mesmo disse também Cunhal em 1975, para desconforto de muitos Araújos Pereiras: que o PCP participou a contragosto nas eleições para a Assembleia Constituinte porque o povo não estava devidamente instruído para votar. Disse ainda que, apesar de ter perdido as eleições (foi, de facto, uma clara derrota, tanto quanto 12% podem ser para um partido que julgava dominar o país), ele continuava a saber melhor do que o povo o que era melhor para o povo e que, para que não houvesse dúvidas, as eleições tinham sido uma vez sem exemplo e não haveria um parlamento em Portugal (isto já eu contei em maior detalhe num outro artigo publicado neste jornal).
Eu era uma criança em 1975, mas já não em 1989, quando ouvi, sem intermediação, Cunhal dizer que a queda do Muro de Berlim e das ditaduras comunistas de Leste lhe tinham causado imensa amargura... no fundo, as coisas que fazem os povos que não estão devidamente instruídos.