Uma das mais desconcertantes características da passagem de Donald Trump pela Casa Branca foi a forma como lidou com a verdade. Em novembro de 2018, numa entrevista a Jon Karl - correspondente da ABC News na Casa Branca - Trump explicou, naquela forma meio fanfarrona, meio ingénua, a sua visão sobre o assunto: “Quando posso, eu digo a verdade”. Só estas seis palavras sintetizam bem o seu pensamento e estratégia. E a conclusão é óbvia: Trump - mesmo na condição de Presidente dos EUA - admite falar a verdade quando lhe é conveniente ou favorável, mas confessa sem remorsos que, quando lhe for prejudicial ser sincero, não tem nem terá quaisquer pudores em mentir ao povo americano, que foi quem o elegeu.
Na sua audição na comissão parlamentar de inquérito à TAP, na quinta-feira, o ministro João Galamba foi confrontado com as várias versões que deu ao longo de semanas sobre os incidentes dentro do seu ministério, que envolveram um seu ex-adjunto, agressões à sua equipa e uma inédita intervenção dos serviços secretos para recuperar um computador. A versão“liguei imediatamente” ao primeiro-ministro, passou a “horas depois” e agora o primeiro telefonema já foi para o Ministro da Administração Interna. Da primeira versão contavam três telefonemas, agora já ligou a António Costa, a ao secretário de Estado Mendonça Mendes, ao MAI, à ministra da Justiça...
Porque não disse antes que ligou ao Ministro da Administração Interna, perguntaram os deputados.
Galamba respondeu, naquela forma meio fanfarrona, meio ingénua, que nem tudo saiu bem na primeira conferência de imprensa que convocou para dar explicações, que é preciso confirmar factos e datas e que “reconstruir a verdade dá muito trabalho, senhor deputado”. Eis a versão portuguesa dos “factos alternativos”, a expressão polida de Kellyanne Connway com que a administração Trump empanturrava o povo americano com “a verdade do presidente e não a dos media” e, assim, iludia o preço político a pagar pela mentira.
Não, senhor ministro. Ao contrário da mentira, que implica outras subsequentes, maiores ou mais elaboradas, para suportar, contornar ou disfarçar a primeira e as que se seguem, a verdade não dá trabalho nenhum. A verdade pode custar a sair, mas toureá-la eternamente é muito mais custoso.
“Se disseres a verdade, nunca mais terás de te lembrar do que quer que seja”, escreveu Mark Twain. A natureza humana não mudou desde o seu tempo, nem o entendimento que os eleitores têm sobre políticos que mentem ou que aparentam mentir.
Mas vistas bem as coisas, e à luz das revelações nas últimas semanas e nas que se seguirão, há muito que esse patamar deixou de ser o ponto baixo da política nacional.