Opinião

“Cambiar un Rolex por un Casio”

Nilza Rodrigues


Sinceramente não resisti a este título, o frame da canção de Shakira que bate recordes atrás de recordes - 100 milhões de viewers em 48 horas - e que fala de uma alma traída.

Esta semana Angola recebeu, pela primeira vez, os reis de Espanha. Uma cordial retribuição da visita de João Lourenço a Madrid há dois anos, mas sobretudo um interessante statement para as relações económicas entre os dois países. Os nuestros hermanos não andam a ver navios. Esses andamos nós, que temos uma relação histórica com Angola e que, muitas vezes, roça o amor-ódio de que Shakira fala. O sabor amargo destes três dias de visita oficial que Portugal fingiu não sentir, não é um feeling. É real. Angola tornou-se um país estratégico para o crescimento externo de Espanha em África. O plano que delinearam, e que denominaram “Foco África 2023”, assenta em quatro pilares e já está a rolar: Paz e segurança; Desenvolvimento sustentável, Crescimento económico inclusivo e resiliente; Institucionalidade e Mobilidade organizada, regular e segura.

Foi uma semana em que se hablou español em Luanda, e em que os números que ligam os dois países foram mais do que badalados. Existem, actualmente, mais de 40 empresas espanholas a operar em Angola, as exportações da vizinha Espanha para o país africano ultrapassaram os 160 milhões de euros.

Se é de números que se trata, falemos de Portugal. Actualmente, mais de quatro mil empresas portuguesas exportam para Angola e cerca de 1200 empresas de origem portuguesa ou capitais mistos estão a operar no mercado angolano. As exportações atingiram até 2 mil milhões de euros (dados de Outubro 2022), sendo Angola o nosso nono maior mercado a nível mundial, o terceiro país fora da União Europeia e o principal a nível da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Por isso, quando o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa se manifesta “muito feliz” pela visita do monarca espanhol, Filipe VI, a Luanda, pois os portugueses eram “praticamente cavaleiros andantes isolados nas relações entre a Europa e África”, parece-me que estou a ler um conto de fadas. Diplomaticamente, façam o favor de dar as mãos. Economicamente, estamos a competir. Até a língua, nosso maior activo comum, foi estrategicamente abordada por Filipe VI, que viu nas línguas portuguesa e espanhola uma “compreensão mútua”, que nós por aqui não conhecemos. Quantas e quantas vezes portugueses e espanhóis não têm de falar em inglês para se entenderem.

Nada contra Espanha, que está a fazer, e bem, o seu caminho. Apenas a abanar o nosso Portugal. Nesta dinâmica nós somos o Rolex de que Shakira fala, podemos e devemos posicionar-nos como tal, pois temos afinidades, históricas, culturais e económicas, que o justifiquem. Hasta luego.