Enquanto não se dignificar a função dos deputados, nunca será possível ultrapassar a imagem que as pessoas deles têm: a de que o Parlamento é um antro de “tachos” em que apenas uns quantos trabalham.
Quantas vezes ouvimos no nosso dia-a-dia, de casa, do trabalho, do café, a diminuição do função do deputado? Tantas. O problema é que, demasiadas vezes, têm razão.
Para começar, o exemplo deveria vir de cima. No caso da Assembleia da República, do seu Presidente. Todavia, da parte de Ferro Rodrigues conhecemos várias atuações nada dignas da segunda figura na hierarquia do Estado. Sim, da pessoa que assumiria as funções do Presidente da República na falta deste.
Agora relembremos que há 230 deputados. Sugiro um exercício: elenque os nomes de que se lembra. Quantos são? Certamente não serão muitos. 10, 15? Mas há 230! Não quero com isto insinuar que os deputados cujos nomes desconhecemos fazem um mau trabalho. Certamente que não. Ou não todos. Mas há que convir que estes números não são brilhantes quando é necessário – aliás, é fundamental – regenerar a imagem da nossa Casa da Democracia.
O mais grave é que, em 230 deputados, temos também aqueles mediáticos casos de moradas falsas para receber subsídios, situações de votação por terceiros não presentes, relatos de falhas na declaração de rendimentos, alegações de conflitos de interesses – criados para benefício próprio ou meramente negligentes –, tudo lamentavelmente corroborando esta ideia pouco simpática que os Portugueses têm destes agentes. Torna-se por isso fácil achar que os deputados são praticantes do desporto nacional que é o chico espertismo, em vez de serem a elite que devem (ou deveriam) ser. Não podia ser pior.
É que um deputado que se preze tem muito, mas muito trabalho mesmo. Todos os dias há diplomas a ser discutidos em matérias tremendamente complexas, sobre temas das mais variadas amplitudes, áreas e setores. Recomendo mais um exercício: veja a agenda para hoje. Desde impostos a temas laborais, está lá tudo. E para discutir e votar, é necessário estudo prévio, análise e conhecimento. Repito: é preciso trabalho. Muito. Poucos de nós, no entanto, o reconhecerão.
A amplitude desta missão deveria ser-nos mais visível. Verdadeiramente, talvez poucos de nós sejam capazes de fazer esse trabalho bem feito. E se percebêssemos isto, nós, cidadãos, os partidos e os deputados, também o respeito pela função seria certamente maior.
Felizmente, se há os deputados que não merecem o lugar que têm (não neguemos que há muitos favores a ser pagos), há também aqueles que, independentemente do partido por que foram eleitos, têm mérito indiscutível. Têm trabalho demonstrado. Concorde-se ou não com as suas votações e argumentos, alguns prosseguem a missão superior para que foram eleitos. E isso sim é dignificar a Casa da Democracia, a representação máxima dos Portugueses. O problema é que há os outros.
Enquanto não acontecer esta verdadeira revolução que é haver 230 deputados que cumprem o desígnio maior que consiste em legislar a vida dos seus concidadãos, acompanhar e questionar a atuação do Governo e inquirir situações que de tal necessidade se apresentem, então continuaremos a ter este descrédito generalizado no Parlamento e no que representa.
Enquanto não houver respeito, enquanto a Assembleia da República não se der ao respeito, dificilmente conseguiremos o fortalecimento da Democracia que, acredito, todos amamos. Pelo contrário, caminharemos perigosamente para o buraco negro criado pelo discurso inflamado e vazio, tantas vezes falso e demagógico, oco dos valores fundamentais, mas fácil e angariador de votos.