O actual cenário macroeconómico está fortemente condicionado pelos níveis historicamente elevados de inflação que estamos a experienciar. Apesar disso, as estimativas oficiais da Comissão Europeia sugerem que o país vai conseguir evitar uma recessão em 2023, muito por conta da forte procura turística que se está a antever. Apesar deste cenário optimista, é preciso notar que a inflação gera riscos significativos para o sector hoteleiro, algo que pode ser medido tendo por base os quadros do sector publicados pelo Banco de Portugal (BdP). Segundo esta entidade, a empresa média que actua no sector “Estabelecimentos hoteleiros com restaurante” requeria, em 2019 (i.e., o último pré-pandemia, considerado por muitos como sendo de ouro para o turismo nacional), um investimento de 6 milhões de euros, tendo registado um volume de negócios de 1,4 milhões de euros e uma rendibilidade média para o accionista de 5,3%.
Simulemos então o que pode acontecer no final de 2023 por conta do efeito do aumento generalizado dos preços. Em particular, vamos assumir que os gastos operacionais da empresa média aumentam face a 2019 de acordo com a inflação de 2022 (7,8%, valor oficial do índice de preços no consumidor para esse ano) e a inflação prevista para 2023 (5,1%, que é a média das actuais previsões avançadas pelo Governo, Comissão Europeia e Banco de Portugal). Consideramos ainda um aumento específico dos gastos com o pessoal de 4,8%, valor médio previsto no recente acordo de rendimentos e competitividade assinado entre o Governo e vários parceiros sociais. Nestas condições, e mantendo o volume de negócios de 2019 inalterado, verifica-se que a unidade hoteleira média passa a ser apenas marginalmente interessante no final de 2023. De facto, o resultado líquido cai para 6 mil euros, o que leva a rendibilidade do capital próprio para quase zero. Infelizmente, as más notícias potenciais não ficam por aqui. Como sabemos, a inflação traz consigo o aumento das taxas de juro, aspecto importante para um sector que, em 2019, recorria, em média, a esta fonte de financiamento para assegurar cerca de 40% do seu investimento. Incorporamos o potencial efeito do aumento da taxa de juro nas nossas simulações, elevando o custo do financiamento da unidade hoteleira média de 2,1%/ano (i.e., a taxa implícita que se apura a partir dos dados do BdP para 2019) para 5%/ano. Sem surpresa, este choque adicional dita que o sector hoteleiro se torne, em média, economicamente desinteressante, já que o resultado líquido passa a ser negativo.
As linhas anteriores ilustram o risco acrescido a que a hotelaria nacional está exposta em 2023, tornando claro que as diferentes unidades terão de fazer um esforço considerável para manter a sua sustentabilidade económica. Em particular, estima-se que, em 2023, o volume de negócios tenha de crescer cerca de 14% para que, em média, se consiga atingir uma rendibilidade do capital próprio igual à de 2019. Este desafio fica (ainda) mais difícil quando notamos que, além dos efeitos da inflação, há outros riscos no horizonte. Alguns são de natureza exógena, como a evolução do poder de compra dos turistas (nacionais e estrangeiros), o efeito das greves em aeroportos e companhias aéreas (algo que já aconteceu no ano passado e que pode repetir-se em 2023) ou o acelerar da desconfiança global em face da terrível guerra que decorre na Ucrânia. Outros dependem de escolhas e planeamento nosso. Neste particular, as cenas da passada sexta-feira no Aeroporto Internacional de Faro são algo que nos deve envergonhar colectivamente. Os trabalhadores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (e todos os restantes funcionários públicos) têm todo o direito de manifestar o seu profundo desagrado pelo rumo que o nosso país está a seguir. Cabe a quem supostamente nos governa lidar com esta questão de forma a mitigar os seus efeitos. Falhar novamente servirá apenas para prejudicar um dos motores mais importantes da economia nacional, o qual, segundo os dados oficiais do portal TravelBI, responde já por 17,6% das nossas exportações e 7,5% do emprego do país.
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.