Opinião

A verdade como valor da função governativa

Nuno Vinha


Uma visita rápida às páginas de fact-checks permite-nos encontrar vários exemplos de ministros - e mesmo primeiros-ministros - apanhados a mentir. Seja no calor do jogo parlamentar, seja ao ser apertado numa entrevista ou seja, simplesmente, por se tratar de mais uma demonstração de “habilidade política”, os exemplos são variados e demasiado frequentes para que os democratas consigam dormir descansados. Porque é da defesa da democracia que estamos a falar quando se exige a verdade como um valor intrínseco à função governativa.

A mentira ou omissão grave de um governante - mesmo que a esta não esteja associada qualquer penalização prevista na lei, civil ou criminal - representa uma quebra de confiança no contrato entre o eleitor e o eleito e mereceria, numa democracia de maior exigência, sanções políticas severas. É assim em muitos casos nos “exóticos” países nórdicos e deveria ser aqui também, onde a democracia já tem anos suficientes para que semelhante exigência fosse prática comum.

Como chegámos até aqui? Como é que o valor da verdade se tornou tão menosprezável que é hoje comum ouvir o homem da rua dizer que “os governos mentem, é da sua natureza e, nisso, são todos iguais”. Se resulta de anos de falta de escrutínio da imprensa, pois que as redacções reforcem a importância dessa missão junto dos seus profissionais, tanto como se lhes é exigido no combate às fake news. E se resulta da percepção dos políticos que, no carrossel mediático, uma mentira, hoje, é rapidamente esquecida e engolida pela próxima polémica, então que sejam os eleitores a recordar-se dessas nódoas no momento de preencher o boletim de voto.

Mentir a um cidadão, contribuinte e eleitor é - repito - uma quebra do contrato que assinamos ao entregar a uns a capacidade de decidir por todos. Não é menos grave esconder a verdade, como aconteceu no acordo feito em Bruxelas sobre a venda do Novobanco (que nos custou a todos 3,9 mil milhões de euros) e como está a ser agora com o plano de reestruturação da TAP (que nos está a custar outros 3,2 mil milhões).

E, já agora, fica uma sugestão. Que tal incluir a expressão “e com verdade” no juramento que cada um dos ministros faz, perante o Presidente da República e perante todos nós, quando assume funções?

“Juro por minha honra desempenhar fielmente, E COM VERDADE, as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.”

Alexander Pope escreveu que “aquele que diz uma mentira nem calcula a pesada carga que pôs em cima de si”, porque está obrigado a “inventar uma infinidade de outras mentiras para sustentar a primeira”. Essa pesada carga é má companheira para um ministro ou um primeiro-ministro, a quem os cidadãos já deram - para que carregue - tantas e pesadas responsabilidades.