Opinião

A morte anunciada do alojamento local

Angélique Da Teresa


Esta semana, em Conselho de Ministros, é quase certo que o Governo condene o alojamento local (AL) a uma morte anunciada. Este sector, que foi escolhido como bode expiatório de todos os problemas que pairam sobre a habitação, no caso concreto de Lisboa, tem sido perseguido pelas forças políticas de esquerda, através dos sucessivos bloqueios à atribuição de novas licenças.

O que mais choca são as falácias de quem usa o direito à habitação e o direito à propriedade privada para pôr uns contra os outros. Enquanto andamos uns contra os outros, não percebemos que andam a atirar-nos areia para os olhos.

Caros inquilinos e proprietários, leiam este texto e digam-me se não acham estranho o que está a acontecer.

Ouvimos dizer que o AL anda a expulsar os residentes das cidades. Não se fala do restante sector turístico, mas somente do AL.

Vamos analisar factos:

1) Segundo os dados provisórios dos Censos 2021, Portugal tem 10.344.802 habitantes, menos 2,1% que há dez anos;

2) Segundo o INE, no ano de 1981, a população residente em Lisboa era de 807 mil habitantes e a trajectória foi sendo descendente: 663 mil residentes em 1991, 489 mil em 2008 (o valor mais baixo de todos). Só em 2011, de acordo com dados da Pordata, é que houve uma inversão, com o registo de 547 mil habitantes. O fenómeno do AL só surge a partir de 2014;

Com base nestes dados, não podemos concluir que o despovoamento da cidade de Lisboa é muito anterior ao fenómeno do AL? Diria que sim.

Outra dúvida: o AL retira casas e, por isso, criaram-se zonas de contenção, que actualmente abrangem a quase totalidade das freguesias de Lisboa.

Vamos analisar factos:

1) Actualmente, só cerca de uma dezena de freguesias podem ter registos novos de AL. Todas as outras freguesias estão bloqueadas e neste rol está o centro histórico;

2) Segundo um estudo da Smartour, promovido pela Universidade de Lisboa, os hotéis aumentaram a oferta, passando de 116 unidades em 2008 para 255 unidades em 2021, com particular incidência no centro histórico;

3) O Turismo de Lisboa, só no ano de 2022, anunciou a abertura de novos estabelecimentos hoteleiros na cidade, que incluíram 13 hotéis, num total estimado de 1.638 quartos, sendo a sua maioria no casco histórico. Aliás, numa recente reunião de câmara foi aprovado um projecto para um novo hotel no edifício onde funcionava a sapataria A Deusa, com a abstenção dos vereadores do PS (os tais na linha da frente do bloqueio do AL);

4) Nos grandes centros urbanos, cerca de 50% dos AL caracterizam-se por serem T0 e T1 com áreas diminutas e acessos complexos, pela própria estrutura construtiva dos edifícios, o que torna muitos destes apartamentos pouco atractivos para a habitação própria e permanente de famílias. Já experimentaram subir umas escadas de um prédio de Alfama ou da Ribeira com um bebé ao colo e um saco de supermercado?

5) Recentemente, em Lisboa, no Relatório de Caracterização e Monitorização do AL na cidade, o executivo afirmou que dois em cada três alojamentos correspondem a “licenças-fantasma”, valor que os vereadores do PS contestam. No entanto, assumem que metade das licenças (9.860) estão activas. Isto significa que reconhecem que a outra metade não está?

Com base em mais estes dados, não podemos estranhar que sejam criadas áreas de contenção só para o AL e que o restante sector turístico seja posto de parte?

O AL expulsa as pessoas, mas prédios inteiros que são transformados em hotéis não?

Não será igualmente ilegal basear áreas de contenção num rácio errado, já que todos os vereadores de todos os partidos políticos reconhecem que há licenças inactivas?

A Iniciativa Liberal tem uma proposta concreta, já registada e para ser debatida na Assembleia da República, em que concilia AL e residência provisória para profissionais deslocados e ou estudantes. Há soluções que podem ser implementadas e que não passam por proibições por decreto, proibições essas que são estranhamente discriminatórias. Nas cidades onde existe maior pressão urbanística é fundamental criar um pacto de estabilidade entre o sector residencial e o turístico. O sector turístico todo, e não só uma parte.