Opinião

A eutanásia e Hipócrates

Telmo Correia


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O chumbo da lei da eutanásia pelo Tribunal Constitucional, pela terceira vez, a que se soma um veto político do Presidente da República, é uma decisão que só pode ser acolhida com satisfação por todos aqueles que prezam e defendem o valor da vida.

E essa é a questão central deste debate. Os defensores da eutanásia, sejam eles supostos progressistas do BE, do PS ou do PAN ou liberais da IL ou do PSD, e os seus opositores não correspondem a uma simples divisão esquerda-direita. Mas o debate tem uma relevância civilizacional e de valores que é incontornável e divisiva.

Sendo claro, não é possível considerar a vida como um valor fundamental nos termos de uma concepção humanista tributária da tradição judaico-cristã, comum, de resto, a todas as outras religiões monoteístas, e defender a eutanásia.

Da mesma forma que não é possível encarar as profissões médicas, desde logo a medicina, com seriedade e pactuar com a eutanásia. A ideia que apreendi em casa de que um médico digno desse título só se aproxima de um doente para o tratar, cuidar ou ajudar, e nunca para o matar, é incontornável. Vem, de resto, do chamado juramento de Hipócrates: “Mesmo instado, não darei droga mortífera nem a aconselharei.” O juramento marca profissional e deontologicamente a profissão e o seu espírito, e é, naturalmente, extensível a outras profissões da área da saúde, como a enfermagem ou a psicologia. É, de resto, nesta ideia, e só com este conceito, que se pode conceber a relação de confiança entre médicos e pacientes e, já agora, com o próprio Serviço Nacional de Saúde. Se, num país que não tem uma rede de cuidados paliativos aceitável, instaurarmos uma lei que permite o homicídio a pedido, estaremos a cometer um crime contra a vida, mas também um atentado aos direitos dos mais vulneráveis, precisamente daqueles que não podem ser deixados para trás, ou mortos, porque não há capacidade de cuidar deles.

Esta versão da lei, como aqui escrevemos, alargava o conceito, tornando-o ainda mais impreciso. É completamente absurda a reacção dos seus principais defensores que, ao fim de quatro chumbos, não têm a humildade de parar para pensar ou parar para ouvir os portugueses, em referendo. Pelo contrário, dizem que agora só lhes falta uma palavra, demonstrando assim a sua obstinação e arrogância. Na verdade, não há boa solução para instaurar um mal, essa é que é a verdade. De outra forma, só podemos concluir que, quatro tentativas depois, ficou bem evidente a incompetência dos seus autores.