Antes de qualquer outra palavra, uma declaração de interesses: não tive mais do que contactos fugazes com Rui Nabeiro, mas durante ano e meio, na viragem do século, trabalhei numa empresa detida por Jacques Rodrigues.
Quem estiver a ler e saiba minimamente quem foi o fundador da Delta e quem é o fundador da Impala dirá que não devi muito à sorte no grau de contacto com os empresários que marcaram a actualidade nesta semana. Mas a vida é como é: Nabeiro, que faleceu no domingo, aos 91 anos, vítima de problemas respiratórios, não se dedicou aos negócios da comunicação social, enquanto Jacques Rodrigues, de 83 anos, detido pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, no âmbito da Operação Última Edição, que investiga um alegado esquema para escapar a dívidas de 100 milhões de euros, resolveu, no final dos anos 90, comprar aos alemães da Burda Media o franchising da revista Focus. E reforçou o seu portefólio de publicações, incluindo a Maria e a Nova Gente, com uma newsmagazine que tinha a ambição de liderar o mercado.
Fui um dos que deixaram a redacção do Público, como outros deixaram a da Visão e de outras publicações. Todos fomos avisados de que o risco de correr mal era elevado, mas nem assim nos preparámos devidamente para a volatilidade do empresário agora caído em desgraça, mas que chegou a ser um dos maiores accionistas da SIC e dominou o mercado das revistas.
Além dessa experiência, à distância de quase um quarto de século, fui seguindo o que se passava no edifício envidraçado que domina a paisagem da Abrunheira, perto de Sintra, onde a Impala foi alterando a designação enquanto deixava um rasto de credores, insolvências e processos especiais de revitalização.
Em Campo Maior, a apenas 230 quilómetros de distância, mas noutra galáxia no que diz respeito a práticas e a resultados, Nabeiro dinamizou um império no comércio e produção de café. Fê-lo com responsabilidade social, antes de o termo entrar no léxico das empresas, preocupando-se com os trabalhadores e procurando melhorar as suas condições de vida. Foi recompensado em vida, com a dedicação dos trabalhadores da Delta e também com a comoção generalizada na hora da sua morte. Será recordado como alguém que deixou um legado transformador, que garantiu a valorização das novas gerações.
Já a notícia da detenção de Jacques Rodrigues foi recebida com alegria por muitos dos seus ex-trabalhadores, compreensível pela forma como o fundador da Impala sempre procurou isentar-se de responsabilidades para com quem ajudou a fazer as suas publicações. Seja qual for o desfecho do processo em curso, o legado de quem se tornou editor nos anos 70 do século passado, na Angola pré-independência, ficará muito distante do tom cor-de-rosa das revistas que fizeram de si um magnata.