Vital Moreira: “Conselho de Estado está a ser transformado numa câmara de eco das opiniões presidenciais”

Constitucionalista acusa Chefe de Estado de ter um “compulsivo propósito de [se] assumir como supremo definidor da agenda política interna e externa do país, condicionando a orientação e as políticas do Governo”, agindo “claramente à margem da Constituição”.

Vital Moreira critica o Presidente da República (PR) por já ter “há muito tempo” escrito o discurso que vai fazer na reunião de hoje do Conselho de Estado, “mesmo antes de ouvir os seus membros, incluindo o primeiro-ministro”, que, na primeira ronda, a 21 de julho, após quatro horas de reunião, teve de se ausentar para viajar até à Nova Zelândia para assistir à estreia da seleção feminina no mundial de futebol.

“Pelos vistos, em vez de discreto local de consulta presidencial, coligindo as opiniões nele expendidas, o Conselho de Estado está a ser transformado numa câmara de eco das opiniões presidenciais, logo depois indevidamente vazadas para os media”, aponta o constitucionalista num artigo de opinião publicado no blogue Causa Nossa, citando uma notícia que aponta a estagnação económica como o foco da reunião desta terça-feira.

O ex-eurodeputado do PS, que já antes acusara Marcelo de “ilegítima instrumentalização” do Conselho de Estado, conclui que a ordem de trabalho definida para a segunda ronda desta reunião “revela o compulsivo propósito do PR de assumir como supremo definidor da agenda política interna e externa do país, condicionando a orientação e as políticas do Governo, de acordo com o seu programa, claramente à margem da Constituição”.

Vital recorda que, segundo a Lei Fundamental, é ao executivo “que compete a condução da política geral interna e externa)do país, pela qual responde perante o parlamento, de que depende politicamente”, existindo “apenas com a obrigação de manter o Presidente devidamente informado (a que a doutrina acrescenta um dever de consulta qualificado em matéria de política de defesa e de política externa)”.

Assinalando, por isso, que o Chefe de Estado “não tem um poder de superintendência política sobre o Governo”, o constitucionalista lamenta que estejamos a “assistir a uma deliberada tentativa presidencial de modificação do sistema de governo e de repartição de responsabilidades políticas constitucionalmente estabelecido”. “Importa denunciá-lo, para que não passe despercebido”, remata.

A segunda ronda do Conselho de Estado acontece numa altura em que a tensão entre Belém e São Bento conheceu um novo capítulo: o chumbo de Marcelo ao Mais Habitação, programa que o PS continua a defender. Se vier a ser confirmado no Parlamento, o Presidente é obrigado a promulgar o pacote de medidas, mas já avisou que também terá intervenção quando se colocar a questão da regulamentação.