Um empurrão oportuno a Rui Rocha

Primeiros 100 dias da liderança do novo presidente da Iniciativa Liberal cumprem-se esta terça-feira, ainda com o eco do confronto com Augusto Santos Silva, a quem Rui Rocha chamou “fruta fora de prazo”. Passar mais tempo fora da Assembleia da República e conhecer problemas concretos da população tem sido a prioridade de um mandato também marcado pela desfiliação de membros da ala mais conservadora do partido .

Na próxima terça-feira, 2 de Maio, quando se cumprirem os primeiros 100 dias da liderança de Rui Rocha, eleito presidente da Iniciativa Liberal (IL) na convenção realizada no Centro de Congressos de Lisboa, ainda ecoará o contributo de Augusto Santos Silva para a afirmação do sucessor de João Cotrim Figueiredo.

As imagens da ARTV em que o presidente da Assembleia da República criticava o que o próprio garantiu ser “a falta de maturidade” da IL, que protestou contra a presença de Lula da Silva na Assembleia da República deixando a bancada entregue ao líder parlamentar, Rodrigo Saraiva, levaram a que Rocha respondesse com uma referência a “fruta fora do prazo” que não fez maravilhas pela relação com Augusto Santos Silva, mas elevou a sua notoriedade e a percepção de que está pronto para o combate político com “pesos-pesados”.

Visto como candidato de continuidade, no sentido em que teve apoio de Cotrim Figueiredo e de quase todo o grupo parlamentar, na disputa com a colega de bancada Carla Castro, Rui Rocha apresentou como uma das suas prioridades aproximar a IL de territórios e eleitorados que não lhe são próximos. Deixou claro que passaria mais tempo fora da Assembleia da República e o certo é que, ainda nesta sexta-feira, na ressaca da polémica com Santos Silva, visitou a Ovibeja, feira agrícola que está a decorrer em Beja.

Logo nos primeiros dias de liderança, após uma primeira audiência formal com o Presidente da República, deslocou-se a vários pontos do país, tanto para apoiar núcleos territoriais (designação que os liberais dão às estruturas concelhias) como para se aproximar dos problemas concretos da população. A aposta no regresso das parcerias público-privadas levou-o a visitar os hospitais Beatriz Ângelo, em Loures, e de Vila Franca de Xira, mas também acompanhou uma manhã de greve da CP na estação ferroviária de Agualva-Cacém ou foi a Cacilhas para estar junto dos utentes dos barcos da Transtejo-Soflusa. Acompanhou ainda manifestações pelo alojamento local ao ver essa actividade ameaçada pela política de habitação do Governo.

Nem tudo correu bem, como ainda no início desta semana se verificou, quando 15 membros conotados com a ala conservadora do partido, incluindo o conselheiro nacional Nuno Simões de Melo e a coordenadora do núcleo territorial da Maia, Mariana Nina, comunicaram a desfiliação. E apontaram um desvio esquerdista, traduzido na viabilização de iniciativas legislativas para a autodeterminação de género de alunos no ensino pré-primário, alvo do sarcasmo de críticos internos – no fundo, o conflito que ficou à vista de todos, durante a convenção, entre quem se define como “liberal clássico” e uma corrente que advoga ser “liberal em toda a linha”.

A nova liderança também foi ajudada pelo protagonismo que o vice-presidente Bernardo Blanco teve nas primeiras sessões da comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da TAP. Como o próprio Blanco disse, em entrevista ao NOVO, realmente importante foi Rui Rocha “ter tempo para ser presidente do partido”, com outros deputados a assegurar o trabalho nas comissões. “Naquela lógica de tentar tornar o liberalismo um bocado mais popular e de expandir a IL para outros territórios onde ainda não estávamos, o Rui tem estado a fazer exactamente isso e nem sei como é humanamente possível, porque todos os dias ele anda a viajar pelo país. Até me canso só de ver a agenda dele”, afirmou.

Contactado pelo NOVO, André Azevedo Alves faz um “balanço globalmente positivo” dos primeiros 100 dias de Rui Rocha na liderança da IL. O professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica lembra os receios que existiam com a saída de Cotrim Figueiredo, mas as sondagens apontam para “valores estáveis” – ou seja, são “moderadamente positivas e desmentem os piores receios”.

O politólogo destaca ainda como aspecto positivo a “tentativa de proximidade e de maior descentralização” do partido, mas alerta para o risco de a IL ficar demasiado colada a temas fracturantes, como a eutanásia ou a legalização da canábis. “É pouco crível que essas questões rendam muitos votos à IL na área do centro-direita e da direita.”

Azevedo Alves considera que Rui Rocha poderia também ter sido mais cauteloso em relação à política de alianças. O líder da IL rejeitou acordos, de forma directa ou indirecta, com o partido de André Ventura, mas isso “limita bastante a possibilidade de alternativas estáveis à direita do PS” e corre o risco de ficar “vulnerável ao voto útil”.