Muito se tem falado de iniciativas de paz para a resolução do conflito na Ucrânia, particularmente depois das declarações do Presidente do Brasil aquando da sua visita à República Popular da China (RPC).

Muito se tem escrito sobre como o Sul global supostamente deseja a paz e, sub-repticiamente, como os Estados Unidos e a União Europeia supostamente são os grandes agentes promotores da guerra ao apoiarem e armarem a Ucrânia. Estranha paz esta em que o mais adequado seria que o agredido – a Ucrânia – se rendesse e não fosse apoiado, mas adiante.

Devo dizer que ninguém está mais interessado na paz do que a Ucrânia. Do que os militares ucranianos que todos os dias morrem ao longo da linha de contacto. Do que os civis ucranianos que são bombardeados, torturados e mortos e que vêem famílias desfeitas e bens destruídos. Vidas e comunidades inteiras apagadas do mapa pelos mísseis e pela artilharia. Para o país agredido, a Ucrânia, a paz é essencial, mas uma paz justa e nos seus termos.

Aqui reside a questão essencial. O Presidente do Brasil, ao vir falar de paz, não quer saber de nada disto, quer apenas gerar capital político junto do bloco com quem alinhou o Brasil, num sistema internacional em transição. Um bloco autoritário, liderado pela RPC, e de que a Federação Russa é parte relevante.

A paz neste momento tem um beneficiário claro, a Federação Russa. A suposta grande ofensiva de Inverno não produziu resultados tangíveis. A frente não se moveu para oeste e a sul não se moveu para norte. Os pontos focais das operações – Bakhmut, Avdiivka, Vuhledar e Kupyansk – apenas produziram baixas e atrito das forças empregues. Como disse recentemente Yevgeny Prigozhin, líder do grupo Wagner, a Federação Russa devia decretar o fim da operação militar especial e concentrar-se em defender os territórios que possui. Tal como Igor Girkin, a sua análise não está errada e é até bastante lúcida.

E faço aqui uma declaração de intenções: defendo que ao Grupo Wagner se apliquem as regras do contraterrorismo, para serem perseguidos de forma global e com todos os instrumentos ao alcance dos Estados.

Mas voltemos a esta paz falaciosa que beneficia os agressores e que é avançada pelos seus aliados políticos. Esta serve apenas a Federação Russa, pois permitiria consolidar ganhos e regenerar forças. Congelar o conflito é isto mesmo: dar tempo à Rússia para se reconstituir e voltar à carga. Isto não serve os interesses da Ucrânia e não serve os nossos interesses enquanto União Europeia e Ocidente alargado, sobretudo neste momento, em que estamos em vésperas da contra-ofensiva ucraniana. E, sim, vai existir e vai ser surpreendente, mas isso é para outro artigo.

Para já, o interesse é fornecer à Ucrânia os meios e os stocks para um Verão repleto de sucessos operacionais. Que matem o inimigo o melhor possível e o mais rápido possível, pois só assim teremos uma paz justa, e a Ucrânia uma posição negocial forte ou uma vitória total (também possível). Este é, pois, o tempo da guerra, como dizem os americanos: “Let freedom ring.”