O problema é quando se tira os óculos cor de rosa e se vê o país como ele está. O passar dos anos tem destas coisas, começa-se a ver mal, tem-se a certeza de estar certo e toma-se todos os outros por tolos. E tende-se a refinar defeitos e teimosias.
Não será por isso de estranhar que Costa e seus companheiros acreditem mesmo no que dizem, quando defendem que o país está “muito melhor”, apesar de um terço dos portugueses ter menos do que o salário mínimo para viver e muitos morarem em casas sem dignidade (os mais velhos) ou não conseguirem sair da morada dos pais (os mais novos). Quando garantem que o nível salarial subiu, apesar de mais de metade dos trabalhadores levarem para casa menos de mil euros e de todos os que têm emprego depositarem diretamente nos cofres de Medina seis meses de salários por ano. Quando juram que baixaram impostos, apesar de esfregarem as mãos com o terceiro recorde consecutivo de receita fiscal e de, na revisão das tabelas de IRS, se terem limitado a não nos tirar do bolso muito mais do que é devido ao Estado – o que significa apenas que não no-lo devolverão mais adiante – e de continuarem a fazer orçamentos baseados no dinheiro tirado aos contribuintes para pagar os delírios do governo. Quando negam que a educação esteja rebentada, apesar de o ministro dar mais atenção aos temas da ideologia de género do que às condições dos professores para ensinarem os miúdos, de os pais não terem creches para deixar os bebés – ainda que elas estejam legalmente previstas e de graça – e de o sucesso escolar resultar da proibição de se chumbar, não de uma aprendizagem competente. Quando dizem que não há caos no SNS, mas uma simples cirurgia às cataratas leva mais de dois anos de espera, há atrasos indesculpáveis nos casos mais graves (até de cancro) e quando chegamos ao verão parece que todo o país virou Algarve, sem planos, sem reforços, sem médicos, sem cuidados, sem remédio.
Num Conselho de Estado que foi uma espécie de volume II do debate do Estado da Nação, tudo isto foi levado à mesa e posto diante de António Costa. A maioria absoluta reduzida à imagem do poucochinho que têm sido os governantes, que agitam bandeiras, mas só levantam pó. E até o seu presidente, Carlos César, lhe pediu uma mudança de elenco, a ver se a novela da governação socialista ganha consistência, em vez de continuar a somar desgraças de estilo venezuelano.
Mas Costa nem deve ter prestado atenção. Afinal, sabe melhor do que cada um de nós o que nos convém. E faz questão de continuar a decidir por nós, pessoas e empresas, o que nos chega ao prato. Não veem como o país está melhor? Carregado de investimento, florescente de atividade e a acelerar crescimento? Vai tudo bem neste Portugal socialista. Por isso é que Costa até pôde dar-se ao luxo de deixar os conselheiros a falar sozinhos e apanhar o voo para a Nova Zelândia, para ir ver a bola. Isso sim, assunto de Estado.