Piloto brasileiro sobreviveu 36 dias perdido na Amazónia: “Foi Deus quem me tirou de lá”
António Sena fazia um voo de rotina quando foi traído pelo motor do avião. Perdeu 25 quilos no período de tempo em que andou à procura de alguém que o ajudasse. Ao NOVO disse acreditar que a fé o salvou. Decidiu escrever um livro a relatar a sua história.
Num dia que parecia igual aos outros, o pior aconteceu: o piloto brasileiro António Sena fazia um voo de rotina, entre os municípios de Alenquer e Almeirim, no estado do Pará, Brasil, quando o motor do avião onde seguia parou e o obrigou a fazer uma aterragem de emergência em plena floresta da Amazónia. Nesse momento, a 28 de Janeiro, o mundo parou. Andou perdido durante 36 dias, mas sobreviveu e foi resgatado a 6 de Março. Chegou a pensar que ia morrer, mas teve fé e acreditou que era possível sair dali com vida. O que aconteceu – com menos 25 quilos.
Ao NOVO, diz ter sido Deus a operar um milagre e a dar-lhe a mão para escapar à morte. Em Maio, lança um livro onde conta tudo sobre o acidente.
Como acabou perdido na floresta amazónica?
Devia ter sido um voo de rotina de cerca de 1h05. Quando estava a meio do percurso, o motor simplesmente parou. Tive de fazer uma aterragem de emergência no meio da floresta. Não se sabe ainda porque é que o motor parou. A investigação está em curso, à responsabilidade dos órgãos de aviação civil do Brasil.
Qual foi a primeira coisa em que pensou quando percebeu que estava perdido?
Lembrei-me imediatamente dos meus treinos de sobrevivência na selva, mas não só. Sempre tive muito interesse em acampar, pescar, estar em contacto com as pessoas que vivem no interior e que têm muito conhecimento sobre noções para sobreviver numa floresta.

O que é que fez ou descobriu durante os dias em que esteve perdido? Como geria o seu tempo?
Nos primeiros oito dias, fiquei no local do acidente, que era o sítio onde seriam feitas buscas pela Força Aérea brasileira. Aprendi muitas coisas, nomeadamente como construir o meu abrigo. Ao quinto dia, quando os aviões de salvamento passaram por cima de mim e não me avistaram, percebi que tinha de elaborar um plano para tentar caminhar em direcção a um local que tivesse maior probabilidade de actividade humana. No sexto e sétimo dias, fiz esse plano, que passava por caminhar para Leste, seguindo sempre o sol, e criar a minha rotina: caminhar até às 13h30 ou 14h00, depois montar o meu abrigo até, no máximo, às 17h00 e finalmente fazer a minha fogueira até às 18h00. Essas eram as prioridades. Tinha de ter sempre água, abrigo e fogo.
O que levava consigo? Quando voa costuma prevenir-se para possíveis imprevistos?
Tinha algumas mudas de roupa na minha mochila, uma faca de bolso, um canivete, dois isqueiros e uma lanterna. Levo sempre estas coisas quando voo na Amazónia. Tenho muita experiência nesta floresta, são mais de quatro anos a voar aqui. Ainda consegui tirar do avião três garrafas de água de 500 ml, uma corda de aproximadamente três metros, quatro latas de refrigerante e um fardo de sacas.
E o que comeu para sobreviver?
O que encontrava durante a caminhada. Nunca parei para procurar comida porque cada dia que o fizesse era mais um em que perdia energia. Comia fruta, especialmente da árvore breu branco [ou almecegueira], muito abundante. Consegui encontrar ovo de nambu [género de perdiz existente no Brasil] por três vezes, cacau por quatro vezes e cajá [fruta rica em fibras, vitaminas e minerais] duas vezes. Mas era muito comum passar dois ou três dias sem comer. Encontrava sempre água, pequenos ribeiros ou rios maiores que me permitiam encher as garrafas que tinha tirado de dentro do avião. Consegui manter-me hidratado.
Foi resgatado mais de um mês depois do acidente. Teve sempre fé que ia ser encontrado ou chegou a pensar que ia morrer?
Quando os aviões passaram e não me avistaram, confesso, pensei que ia morrer ali. Mas tudo mudou quando resolvi ter uma conversa franca e aberta com Deus. Lavei a minha roupa suja com Ele, como se costuma dizer no Brasil. Pedi-lhe que renovasse a minha fé e que me deixasse forte o suficiente, porque tudo o que eu queria era reencontrar a minha família e dar um abraço à minha mãe e aos meus irmãos. Na verdade, estar com eles novamente. A partir daí, todo o sentimento de fracasso e de morte foi embora: tive forças para permanecer e caminhar na floresta todos estes dias. Foi Deus quem me tirou de lá, eu só fiz a minha parte de caminhar e de me esforçar.
Como foi o salvamento?
No último dia, encontrei um grupo que extrai castanhas do Pará. Uma família maravilhosa, enviada por Deus, que faço questão de citar porque tenho um carinho enorme por eles todos. Mantemos contacto e tenho a Dona Maria Jorge como uma segunda mãe agora. O acampamento base tinha um rádio amador através do qual entrámos em contacto com a família dela. Pedimos para ligarem para os meus familiares e informarem que eu estava vivo e onde estava. A partir daí, preparou-se todo o processo de resgate: entraram em contacto com as autoridades, com pessoas que tivessem aviões, helicópteros e fizeram todo o plano para o resgate.

Perdeu 25 quilos durante aqueles 36 dias. Como tem sido a recuperação física? E a psicológica?
A recuperação física está a correr muito bem. Estou apenas a reajustar o meu sistema digestivo devido ao facto de ter estado muito tempo sem comer e pela perda abrupta de peso. O meu corpo já não estava habituado a absorver estas vitaminas e minerais necessários. Em termos psicológicos, estou a ter acompanhamento, mas sinto-me muito bem. Creio que Deus me ajudou e nunca me senti sozinho. Senti-me sempre amparado.
Foi a fé que o salvou?
Desde que me reencontrei com Deus, tinha a convicção de que ia sair dali. Tive uma fé muito forte de que Deus me iria tirar dali e de que iria reencontrar a minha família. Só tinha de fazer a minha parte, que era caminhar e manter o foco. Mas passei por muito sofrimento e muita dor. No entanto, Deus recompensou-me com este milagre.
Como é que os seus familiares e amigos reagiram a tudo o que aconteceu?
Foi uma lição muito grande não só para mim mas para muita gente que acompanhou esta história. Os meus irmãos e a minha mãe nunca desistiram de mim. Quando as buscas do salvamento aéreo brasileiro foram encerradas, continuaram com as particulares. Fizeram ‘vaquinhas’ na Internet para amealhar dinheiro para pagar horas de voo de helicóptero e de avião, para que as operações continuassem. Tentaram fazer buscas por terra. Moveram céu e mar sem nunca desistir. Houve uma conexão muito grande entre mim e os meus familiares. Os meus amigos também sentiram que eu não tinha morrido. Aliás, diziam sempre que, se havia alguém que conseguia sair dali, era eu porque sabem que não desisto facilmente das coisas.
Esperava que a sua história tivesse tanto impacto?
Quando percebi a proporção que esta história ganhou, não queria acreditar. O aeroporto estava cheio de gente e havia uma emoção muito grande. Tenho recebido tantas mensagens de pessoas que dizem ter renovado a fé, que estão a vencer a depressão, os medos nestes tempos de pandemia – que são de tanto sofrimento para o mundo. É gratificante. A minha intenção foi sempre encontrar a minha família, mas saber que este episódio pode ajudar tanta gente faz sentir que o sofrimento e a dor valeram a pena.
Porque decidiu escrever um livro?
Com esta comoção a nível nacional e internacional, era difícil não o fazer. Poder dar mais detalhes, fazer com que mais pessoas possam ser ajudadas foi o que me motivou. Espero que mais pessoas possam sentir-se abraçadas e renovadas e que não desistam da sua vida, não cedam às dificuldades da vida, às batalhas que aparecem. Tenham fé e acreditem em Deus, que pode tirar-nos de qualquer lugar, de qualquer floresta. Se deixarmos isso nas mãos de Deus e fizermos a nossa parte, alcançamos os nossos objectivos.