Paredes de Coura: 30 anos igual a si mesmo
Trinta anos passaram desde que quatro adolescentes decidiram fazer um festival de música moderna portuguesa em Paredes de Coura que acabou por transformar-se no maior festival de música alternativa em Portugal. E, com isso, transformar as nossas vidas.
Trinta anos são uma vida. E o Paredes de Coura teve várias vidas. Quase tantas quantas as vidas que foi tocando ao longo das últimas três décadas, tornando-se, invariavelmente, como referência temporal para todas elas e escapando à erosão do tempo.
A expetativa inicial era muita. Afinal de contas, são 30 anos. E é Paredes de Coura e aqui sempre houve a tradição de comprar bilhete à porta. Exceção feita a 2022, quando o festival esgotou poucos dias antes de começar, muito por causa da “fome”, forçada pelos anos de paragem da covid, que todos tínhamos de voltar a ver e a ir a concertos e atuações ao vivo. Acabaram por vir menos pessoas. Apesar de ser Paredes de Coura, os festivais também se ressentem da crise.
Pela vila, onde o festival subiu para aquecer quatro frias noites, ouviam-se comerciantes e donos de café lamentar-se de que havia menos gente do que em anos anteriores ou até que o cartaz não estaria tão bom como noutras edições. Alguns festivaleiros comentavam mesmo, aqui e ali, que esperavam ver alguns dos nomes que fizeram a história dos 30 anos de Paredes de Coura. Ainda assim, o balanço final é positivo e foi com alegria e satisfação que voltaram a ter casas cheias para receber as dezenas de milhares de pessoas que todos os anos rumam a Paredes de Coura.
Não devemos subvalorizar a expetativa de quem gostaria de rever algumas das bandas que por aqui passaram nos últimos 30 anos. Mas, pensando bem, não faria grande sentido fazê-lo, apesar de ser esta uma edição de aniversário. Ora porque são nomes que já se afirmaram nacional e internacionalmente – e vieram a Paredes de Coura antes de atingirem esse estrelato –, ora porque este festival sempre esteve uns passos à frente do seu tempo e serviu para trazer novos nomes que mais tarde regressariam ao nosso país, já “consagrados”, e a edição deste ano não será exceção. Exemplo disso foi o concerto de Frank Carter & The Rattlesnakes, logo no primeiro dia, que surpreendeu grande parte do público, ou dos veteranos Wilco e Yo La Tengo, que assinaram duas atuações irrepreensíveis, mostrando ao público de Paredes de Coura que quem sabe nunca esquece.
E desengane-se que um cartaz considerado, à partida, menos apelativo seja sinónimo de menor investimento: o próprio João Carvalho confessou já ter tido cartazes com nomes mais sonantes – com Patti Smith e New Order, em 2019, por exemplo – e que acabaram por sair mais em conta do que a edição deste ano, que foi a mais cara de sempre. Mas nem por isso vai haver prejuízo.
“Foi um cartaz à Paredes de Coura”, sintetizou João Carvalho.
Mas as histórias das nossas vidas fazem-se com quem está e se faz presente e, nos últimos 30 anos, as gerações foram-se renovando a cada ano que passou. Muitos regressaram este ano, de cabelo já grisalho e com os filhos a correr colina acima e abaixo, de protetores nos ouvidos, sob o olhar atento dos pais, nostálgicos por regressarem a um sítio tão cheio de (boas) memórias e com os amigos de longa data para trocar histórias, lembrar episódios, recordar concertos. Uns trocaram o campismo por moradias ou turismos rurais com piscina a poucos quilómetros da vila, ao mesmo tempo que se queixam de que “o espírito de Coura já não é o mesmo”. Mas é. É e permanece vivo em cada um dos que não arredaram pé, apesar da chuva que caía, sem dar tréguas, durante o concerto de Little Simz, na sexta-feira à noite.
Como nos dizia o João Carvalho antes do início do festival, Paredes de Coura é um lugar de encontros. E de reencontros. E por isso tantos regressam. Para recordar os momentos aqui passados na juventude. Outros para reencontrarem amigos de longa data, daqueles que apenas conseguimos ver de ano a ano, nos festivais e romarias que por esta altura preenchem o nosso Portugal de norte a sul.
Foram 30 anos cheios de história. E de histórias. É praticamente impossível contabilizar quantas pessoas passaram pelas margens do rio Taboão desde aquele verão de 1993 em que o João Carvalho quis encontrar uma desculpa para ter os amigos em casa mais vezes. Trinta anos em que o Paredes de Coura proporcionou momentos inesquecíveis a quem por aqui passou, a quem veio pela primeira vez e nunca mais quis deixar de vir. Trinta anos em que atravessou e ultrapassou dificuldades e continuará por cá para contá-las. Que o consiga continuar a fazer e a ter-nos na sua vida. Igual a si mesmo.